ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS
PARECER n. 00096/2015/DECOR/CGU/AGU
NUP Nº 00407.004648/2014-96
NUP VINCULADO Nº 00407.004651/2014-18
INTERESSADOS: Procuradoria-Geral Federal e Procuradoria-Geral da União.
ASSUNTO: Terceirização de serviços – Contratação de cooperativas – Termo de Conciliação Judicial firmado entre a União e o Ministério Público do Trabalho – Superveniência das Leis nº 12.690, de 2012 e nº 12.349, de 2010.
DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO DO TRABALHO. DIVERGÊNCIA CARACTERIZADA ENTRE A PROCURADORIA-GERAL FEDERAL E A PROCURADORIA-GERAL DA UNIÃO – RESTA INCÓLUME O TERMO DE CONCILIAÇÃO JUDICIAL FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E A UNIÃO, QUE TRATA DA VEDAÇÃO DA CONTRATAÇÃO DE COOPERATIVAS DE TRABALHO PARA EXECUÇÃO DE DETERMINADOS SERVIÇOS TERCEIRIZADOS, MESMO DIANTE DA SUPERVENIÊNCIA DAS LEIS Nº 12.690, DE 2012, E Nº 12.349, DE 2010 – SERVIÇOS OBJETO DO TERMO QUE, POR SUA NATUREZA, CARACTERIZAM-SE PELA EXECUÇÃO MEDIANTE VÍNCULO EMPREGATÍCIO, COM SUBORDINAÇÃO, PESSOALIDADE, ONEROSIDADE E HABITUALIDADE.
I – As Cooperativas de Trabalho, na forma da Lei nº 12.690, de 2012, são sociedades constituídas para o exercício de atividades laborais em proveito comum, com autonomia coletiva e coordenada, mediante autogestão e adesão voluntária e livre.
II - Os serviços abrangidos pelo termo de conciliação judicial firmado entre a União e o Ministério Público do Trabalho se caracterizam pela pessoalidade, subordinação e não eventualidade.
III – Vedação à participação de cooperativas nos certames afetos a aludidos serviços que não ofende às Leis nº 12.690, de 2012, e nº 12.349, de 2010, uma vez que são admitidas apenas, e obviamente, a participação de verdadeiras cooperativas nas licitações, proibindo-se expressamente a utilização de cooperativa para fins de intermediação de mão de obra subordinada.
IV – Proscrição que se volta para proteger os valores sociais do trabalho e prevenir a responsabilização da União por encargos trabalhistas.
Através do Memorando nº 103/2014/DEOCONSU/PGF/AGU – seq. 1, o Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal encaminhou para análise e manifestação da Procuradoria-Geral da União cópia do Parecer nº 01/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU – seq. 2, acompanhado de cópia do Parecer nº 113/2013/GT-MINUTAS/CGMADAM/PFE-INSS/PGF/AGU – seq. 4, os quais versam acerca da possibilidade jurídica de participação de cooperativas de trabalho em licitações públicas, diante da superveniência das Lei nº 12.690, de 2012, e nº 12.349, de 2010.
Na forma das conclusões dos aludidos Pareceres da Procuradoria-Geral Federal, a Lei nº 12.690, de 2012, que é expressa ao prever que “A Cooperativa de Trabalho não poderá ser impedida de participar de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto social” – art. 10, § 2º, teria superado o Termo de Conciliação Judicial firmado entre a União e o Ministério Público do Trabalho, nos autos do processo nº 01082-2002-10-00-0, que tramitou perante a 20ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, o qual, dentre outras cláusulas, veda a contratação de cooperativas nos serviços terceirizados especificados no termo.
O r. Parecer nº 01/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU – seq. 2, elaborado no âmbito da Câmara Permanente de Licitações e Contratos Administrativos da Procuradoria-Geral Federal acolheu as conclusões do Parecer nº 113/2013/GT-MINUTAS/CGMADAM/PFE-INSS/PGF/AGU – seq. 4, da lavra do GT – Minutas da Procuradoria Federal Especializada junto ao Instituto Nacional de Seguridade Social, concluindo, em ligeiríssima síntese, que a Administração Pública deve admitir a participação de “genuínas” cooperativas de trabalho em todas as licitações, independente da natureza do objeto, considerando a superveniência da Lei nº 12.690, de 2012, e da Lei nº 12.349, de 2010, as quais teriam superado o termo de conciliação judicial firmado entre a União e o Ministério Público do Trabalho.
Ainda conforme entendimento do Departamento de Consultoria da PGF, todos os serviços listados no termo de conciliação judicial podem sem prestados sem qualquer subordinação, bastando que seja observada a Lei nº 12.690, de 2012; que é necessário que os cooperados se organizem, fixem na assembleia o grupo de cooperados que será alocado nos serviços, e constituam coordenador para atuar com independência; que o termo de conciliação judicial está arraigado com o “pré-conceito” de que os serviços nele listados apenas podem ser executados mediante subordinação; e que a escorreita compreensão da real natureza do termo de conciliação judicial firmado (que seria de termo de ajustamento de conduta) é fundamental para delimitar sua abrangência e as consequências de seu descumprimento.
Ressalta a PGF que o entendimento advogado apenas pode ser aplicado se for adotado pelos órgãos centrais de direção superior da Advocacia-Geral da União; que, ao que parece, nem mesmo as cooperativas se deram conta do direito de participar de licitações e não há notícias de impugnações de editais por tal vedação; que as cooperativas, desde que genuínas, podem participar de qualquer licitação pública; que o legislador ordinário pretendeu dar concretude ao preceito constitucional que estimula o corporativismo (art. 174, § 2º, da CF/88); e que a Lei nº 12.690, de 2012, ao conferir rol extenso de direitos trabalhistas aos cooperados, praticamente esvaziou a preocupação da utilização da cooperativa como meio ilícito de intermediação de mão de obra.
Ao apreciar a matéria a pedido da Procuradoria-Geral Federal, o Departamento Trabalhista da Procuradoria-Geral da União exarou o Parecer nº 00041/2014/DTB/PGU/AGU – seq. 10, no qual registra que “ao contrário do que consta no parecer da Procuradoria-Geral Federal, não existe um ‘pré-conceito’ de subordinação nas atividades elencadas no termo de conciliação. Há, sim, uma certeza de que os trabalhadores que as desempenham estão cobertos pelo manto da relação de emprego, sujeitos a ordens de superiores, pessoalidade, habitualidade e remuneração fixa (onerosidade)”.
Ao opinar pela preservação da vigência do termo de conciliação judicial, a parecerista consigna, ainda, que: “Não há como esconder que várias cooperativas são formadas arregimentando-se trabalhadores simples, principalmente do setor de limpeza e conservação, de vigilância e de manutenção, com o objetivo de burlar a lei e gerar ganhos financeiros fáceis. Tampouco se pode esquecer que o termo de conciliação visa proteger um dos pilares do Direito do Trabalho, que é o princípio da proteção, caracterizado pela interferência básica do Estado nas relações de trabalho, por meio de normas de ordem pública, com o fim especial de compensar a desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável”.
Aludida manifestação - Parecer nº 00041/2014/DTB/PGU/AGU – seq. 10, foi aprovada pelo Parecer nº 00002/2015/DTB/PGU/AGU – seq. 9, no qual foi consignado, dentre outras razões, que “mesmo após a edição da Lei 12.690/2012, não se tem notícias de ações judiciais movidas por cooperativas de trabalho, pelos menos em face à União, questionando a participação em licitações na Administração Direta Federal, fato esse que leva a deduzir pela inexistência de autênticas cooperativas nas atividades listadas no referido acordo”.
Ainda conforme o Parecer nº 00002/2015/DTB/PGU/AGU – seq. 9, a pessoalidade, subordinação, onerosidade e a continuidade são os elementos caracterizadores da relação de emprego e tais características “encontram-se indiscutivelmente presentes nas atividades listadas no Termo de Conciliação Judicial, considerando, especialmente, que a prestação daqueles serviços é feita de forma não eventual para entes públicos. Diante dessa natureza contínua das atividades constantes no citado documento, inviável, administrativamente, promover o rodízio constante de cooperados (peculiaridade do cooperativismo) em um órgão público, até em função de segurança interna, o que em última análise redundaria no reconhecimento da pessoalidade na prestação dos serviços.
Acerca do elemento intuitu personae da relação de emprego, assenta o r. Parecer nº 00002/2015/DTB/PGU/AGU – seq. 9, que “A pessoalidade também se aflora no momento em que é feito o aproveitamento dos trabalhadores nos mesmos postos de trabalho, independente da empresa que vença o certame licitatório, o que certamente iria ocorrer (no passado recente foi assim) na contração de uma cooperativa de trabalho. Esse procedimento, que é quase uma regra no âmbito da terceirização, afasta a voluntariedade de adesão dos trabalhadores a determinada cooperativa, já que o trabalhador não possui outra opção senão aceitar o status jurídico de cooperado diante da necessidade premente de subsistência, sendo pacífico na jurisprudência da Justiça do Trabalho o reconhecimento de fraude no cooperativismo por este motivo”.
Pelo Despacho nº 01515/2015/GAB/PGU/AGU – seq. 11, a Subprocuradora-Geral da União, além de aprovar o Parecer nº 00002/2015/DTB/PGU/AGU - seq. 9, que acolhe o Parecer nº 00041/2014/DTB/PGU/PGU/AGU – seq. 10, determina que a tramitação deste feito seja conjunta ao andamento do processo nº 00407.004651/2014-18, por tratarem acerca da mesma divergência.
É o relatório.
O presente pronunciamento jurídico encontra respaldo no art. 12, inciso V, combinado com o art. 14, inciso I, alínea “a”, todos do Anexo I do Decreto nº 7.392, de 2010, uma vez que a instrução dos autos revela que resta caracterizada divergência de entendimentos jurídicos entre a Procuradoria-Geral Federal e a Procuradoria-Geral da União, o que desafia a atuação deste Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União para fins de uniformização da jurisprudência administrativa.
Consigne-se, de logo, que, data maxima venia, merece prosperar o entendimento da Procuradoria-Geral da União, disposto no Despacho nº 01515/2015/GAB/PGU/AGU – seq. 11, no Parecer nº 00002/2015/DTB/PGU/AGU - seq. 9, e no Parecer nº 00041/2014/DTB/PGU/PGU/AGU - seq. 10.
Como é sabido, em meados do ano de 2003, nos autos da Ação Civil Pública nº 01082-2002-020-10-00-0, que tramitou perante a 20ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, foi firmado Termo de Conciliação Judicial entre a União e o Ministério Público do Trabalho, no qual restou pactuado que a União deve se abster de celebrar contratos administrativos com cooperativas de trabalho nas hipóteses em que a execução dos serviços, por sua própria natureza, demanda subordinação dos trabalhadores em relação à pessoa jurídica contratada pela Administração.
No âmbito do aludido termo de conciliação judicial foram arrolados serviços terceirizados em que se reconhecia a impossibilidade de execução mediante “genuínas” cooperativas:
Cláusula Primeira - A UNIÃO abster-se-á de contratar trabalhadores, por meio de cooperativas de mão-de-obra, para a prestação de serviços ligados às suas atividades-fim ou meio, quando o labor, por sua própria natureza, demandar execução em estado de subordinação, quer em relação ao tomador, ou em relação ao fornecedor dos serviços, constituindo elemento essencial ao desenvolvimento e à prestação dos serviços terceirizados, sendo eles:
a) – Serviços de limpeza;
b) – Serviços de conservação;
c) – Serviços de segurança, de vigilância e de portaria;
d) – Serviços de recepção;
e) – Serviços de copeiragem;
f) – Serviços de reprografia;
g) – Serviços de telefonia;
h) – Serviços de manutenção de prédios, de equipamentos, de veículos e de instalações;
i) – Serviços de secretariado e secretariado executivo;
j) – Serviços de auxiliar de escritório;
k) – Serviços de auxiliar administrativo;
l) – Serviços de office boy (contínuo);
m) – Serviços de digitação;
n) – Serviços de assessoria de imprensa e de relações públicas;
o) – Serviços de motorista, no caso de os veículos serem fornecidos pelo próprio órgão licitante;
p) – Serviços de ascensorista;
q) – Serviços de enfermagem; e
r) – Serviços de agentes comunitários de saúde.
Parágrafo Primeiro – O disposto nesta Cláusula não autoriza outras formas de terceirização sem previsão legal.
Parágrafo Segundo – As partes podem, a qualquer momento, mediante
comunicação e acordos prévios, ampliar o rol de serviços elencados no caput.
Ainda na forma do aludido termo de conciliação judicial, notadamente em sua cláusula terceira, a União se compromete a prever, nos seus editais de licitação, disposições claras sobre a natureza dos serviços para admitir, ou não, a participação de cooperativas, sendo permitida a contratação de cooperativas deste que, obviamente, sejam “genuínas”, ou seja, desde que os serviços efetivamente sejam executados sem os elementos que configuram a relação de emprego, e desde que o objeto licitado não esteja inserido no rol dos serviços arrolados na cláusula primeira do termo, transcrita no parágrafo precedente deste Parecer. Eis a redação das cláusulas segunda e terceira do termo de conciliação judicial em referência:
Cláusula Segunda - Considera-se cooperativa de mão-de-obra, aquela associação cuja atividade precípua seja a mera intermediação individual de trabalhadores de uma ou várias profissões (inexistindo assim vínculo de solidariedade entre seus associados), que não detenham qualquer meio de produção, e cujos serviços sejam prestados a terceiros, de forma individual (e não coletiva), pelos seus associados.
Cláusula Terceira - A UNIÃO obriga-se a estabelecer regras claras nos editais de licitação, a fim de esclarecer a natureza dos serviços licitados, determinando, por conseguinte, se os mesmos podem ser prestados por empresas prestadoras de serviços (trabalhadores subordinados), cooperativas de trabalho, trabalhadores autônomos, avulsos ou eventuais;
Parágrafo Primeiro - É lícita a contratação de genuínas sociedades cooperativas desde que os serviços licitados não estejam incluídos no rol inserido nas alíneas “a” a “r” da Cláusula Primeira e sejam prestados em caráter coletivo e com absoluta autonomia dos cooperados, seja em relação às cooperativas, seja em relação ao tomador dos serviços, devendo ser juntada, na fase de habilitação, listagem contendo o nome de todos os associados. Esclarecem as partes que somente os serviços podem ser terceirizados, restando absolutamente vedado o fornecimento (intermediação de mão-de-obra) de trabalhadores a órgãos públicos por cooperativas de qualquer natureza.
Parágrafo Segundo – Os editais de licitação que se destinem a contratar os serviços disciplinados pela Cláusula Primeira deverão fazer expressa menção ao presente termo de conciliação e sua homologação, se possível transcrevendo-os na íntegra ou fazendo parte integrante desses editais, como anexo.
Parágrafo Terceiro - Para a prestação de serviços em sua forma subordinada, a licitante vencedora do certame deverá comprovar a condição de empregadora dos prestadores de serviços para as quais se objetiva a contratação, constituindo-se esse requisito, condição obrigatória à assinatura do respectivo contrato.
Na forma acordada judicialmente, a lícita execução de serviços por cooperativas deve se dar de forma coletiva, e com absoluta autonomia dos cooperados. Sobre a matéria, especificamente sobre a distinção entre as características e elementos constituintes dos vínculos dos cooperados e dos empregados, segue reprodução deste elucidativo trecho do Parecer nº 00041/2014/DTB/PGU/AGU – seq. 10:
De acordo com o artigo 2º da Lei 12690/2012, as cooperativas de trabalho são sociedades constituídas para o exercício de atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão.
Caracteriza-se, essencialmente, pelo fato dos associados se organizarem com seus próprios meios de produção (autonomia) e com a finalidade de adquirirem melhores condições de trabalho e de remuneração (proveito comum), assumindo, de forma simultânea, a posição de sócios e de destinatários dos benefícios alcançados pela cooperativa, participando do processo decisório e do auferimento dos resultados (autogestão).
O cooperado se torna auto gestionário de suas atividades, encontrando-se no mesmo patamar dos demais cooperados, circunstância que afasta a figura da subordinação, elemento característico da relação de trabalho. A ausência da subordinação constitui-se, dessa forma, em requisito indispensável para se averiguar a existência, entre cooperado e cooperativa, de efetiva relação de natureza civil, consubstanciada justamente na combinação de esforços e/ou recursos visando um fim comum.
Os contratos de emprego, por sua vez, possuem três elementos fundamentais: pessoalidade, onerosidade e subordinação jurídica.
A pessoalidade é uma das notas típicas do contrato de emprego. O contrato de emprego origina para o empregado uma obrigação de fazer consistente na prestação do serviço convencionado pelas partes. Esta obrigação não é fungível, isto é, não pode ser satisfeita por outrem. A pessoalidade é a característica do contrato de trabalho que determina a relação intuito personae, ou seja, é a obrigatoriedade da realização da atividade por uma pessoa física determinada. Assim, o trabalho com o qual o empregador tem o direito de contar é o de determinada e específica pessoa e não de outra. Vê-se, pois, que tal característica, não pode se fazer presente nas relações pactuais firmadas entre cooperativas e tomadores de serviço já que são contratadas atividades a serem desenvolvidas pelos cooperados e não os próprios sócios que formam as sociedades de cooperativas de trabalho.
Assim, os cooperados devem prestar serviços a vários órgãos, de natureza privada ou pública, sendo, uma das características da cooperativa, justamente a prestação de serviço a várias empresas e não com exclusividade a uma só.
Já a onerosidade é caracterizada pela contra-prestatividade do contrato de trabalho, ou seja, o empregado trabalha visando ao salário. O empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador, em contrapartida, deve pagar salários pelos serviços prestados. Haver-se-á que na cooperativa os denominados associados, e no contrato de emprego o empregador e o fornecedor do labor, o empregado.
Na cooperativa, tal como em uma sociedade, os cooperados repartem lucros ou prejuízos, e no contrato de trabalho o lucro e o prejuízo são suportados pelo empresário, enquanto o empregado recebe salário, independentemente do resultado positivo ou negativo do empreendimento. Assim, no contrato de labor o empregado recebe um salário, em regra, fixo, enquanto na cooperativa as retiradas dos cooperados são variáveis e, às vezes, dependendo do sucesso do empreendimento, nada podem retirar a título de pro labore.
Neste ponto, há no cooperativismo o denominado princípio da Retribuição Pessoal Diferenciada que é como bem define o Ministro Mauricio Godinho Delgado, “a diretriz jurídica que assegura ao cooperado um complexo de vantagens comparativas de natureza diversa muito superior ao patamar que obteria caso atuando destituído de proteção cooperativista”. Efetivamente, a cooperativa permite que o cooperado obtenha uma retribuição pessoal, em virtude de sua atividade autônoma, superior àquilo que obteria caso não tivesse associado. A retribuição pessoal de cada cooperado é necessariamente (ainda que em potencial), superior àquela alcançada, caso atuando isoladamente.
Não obstante, a relação de emprego resulte da síntese indissolúvel de vários elementos, a subordinação, entre todos esses elementos é, sem dúvida, o que ganha maior importância na configuração da relação empregatícia.
A palavra subordinação é de etimologia latina e provém de sub = baixo, ordinare = ordenar. Assim, subordinação significa submetimento, sujeição ao poder de outrem, às ordens de terceiros, uma posição de dependência, e ocorre quando o trabalhador se limita a permitir que sua força de trabalho seja utilizada, como fator de produção, na atividade econômica exercida por outrem, a quem fica, por isso, juridicamente subordinado.
A Legislação trabalhista brasileira, ao fazer menção à subordinação, utiliza o termo dependência, conforme o artigo 3º, caput, da CLT:
“Art. 3 - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário”. (destacou-se)
A subordinação, por intermédio do conceito atualmente utilizado, traduz-se na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, encarado como instituto no qual o empregado se obriga a acolher a direção do empregador sobre o modo de realização da prestação de serviços, não sendo fundamental para sua delimitação, o caráter técnico ou econômico, mas apenas de caráter jurídico.
Logo, a subordinação jurídica é verificada na situação contratual e legal pela qual o empregado deve obedecer às ordens do empregador, ou seja, está sujeito ao poder diretivo do empregador. O fundamento legal do poder hierárquico é encontrado no artigo 2º da CLT, na definição de empregador, pois é este quem dirige as atividades do empregado, estipulando diretrizes no sentido de fiscalizar, dirigir e regulamentar a prestação de serviço.
A subordinação pode ser entendida como decorrente da limitação contratual da autonomia da vontade do trabalhador, transferindo o poder de direção sobre a atividade que desempenhará ao seu empregador. Neste sentido, tem-se a subordinação como o lado passivo do poder de comando do empregador, isto é, a faculdade que lhe é reconhecida de determinar por meio de comandos mais ou menos genéricos o conteúdo das prestações de trabalho.
No que diz respeito ao contrato existente entre as cooperativas e seus sócios, jamais se falará em subordinação, qualquer que seja a causa apresentada. Em sociedade, como na espécie, os sócios encontram-se em pé de igualdade. Não existem superiores, nem subordinados, ainda mais quando se trata de uma sociedade democrática nos moldes das cooperativas de trabalho associado.
O vínculo que une os cooperados à entidade decorre da affectio societatis, ao contrário do que ocorre em relação ao vínculo que une o empregado ao empregador. Os associados devem gerir as suas atividades, não estando sujeitos a horário de trabalho, nem tampouco à fiscalização por parte do tomador dos serviços.
Pois bem, delimitadas as cláusulas essenciais do Termo de Conciliação Judicial celebrado entre a União e o Ministério Público do Trabalho, e após a devida diferenciação entre o vínculo de emprego e o exercício de atividades profissionais por meio de cooperativas de trabalho, resta consignar que a divergência objeto desta consulta, e que desafia a uniformização da jurisprudência administrativa, decorre da superveniência da Lei nº 12.349, de 2010, e da Lei n 12.690, de 2012. Para escorreita compreensão da celeuma, cumpre reproduzir, inicialmente, o disposto na Lei nº 12.349, de 2010, a qual, ao alterar a Lei nº 8.666, de 1993, conferiu nova redação ao seu art. 3º:
Art. 3ª A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1o É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;
Nestes termos, observa-se que o preceito constitucional da licitação, previsto no art. 37, inciso XXI, da Carta, trata-se de princípio corolário daqueles preceitos basilares previstos no caput, quais sejam, a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tratando-se a licitação de processo cujo iter procedimental visa garantir que a Administração Pública, na satisfação de suas necessidades, celebre contratos prestigiando a economicidade e igualdade de condições de concorrência entre os interessados.
Neste cenário, verifica-se que o preceito constitucional da Impessoalidade, corolário da isonomia, garante que a Administração não delimitará distinções entre interessados postos em idênticas condições de disputa, ressalvando-se, obviamente, aquelas distinções necessárias e logicamente pertinentes às finalidades públicas perseguidas.
Quer-se dizer que, como é sabido, os preceitos constitucionais da igualdade e da impessoalidade não se prestam apenas para conferir tratamento isonômico a interessados que se encontrem concorrendo nas mesmas condições, mas que também se voltam para garantir que discriminações ou tratamentos diferenciados sejam conferidos nas hipóteses em que haja absoluta pertinência lógica entre as condições que não se assemelham e as finalidades públicas perseguidas.
Sobre a matéria, e por todos, segue valiosa doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, extraída da obra “Grandes Temas de Direito Administrativo”, Malheiros Editores, 2009, p. 196 e 198:
“Na verdade, o que se tem de indagar para concluir se uma norma desatende à igualdade ou se convive bem com ela é o seguinte: se o tratamento diverso outorgado a uns for ‘justificável’, por existir uma ‘correlação lógica’ entre o ‘fator de discrímen’ tomado em conta e o regramento que se lhe deu, a norma ou a conduta são compatíveis com o princípio da igualdade; se, pelo contrário, inexistir esta relação de congruência lógica ou – o que ainda seria mais flagrante – se nem ao menos houvesse um fator de discrímen identificável, a norma ou conduta serão incompatíveis com o princípio da igualdade.
...
Ao cabo do quanto se disse, é possível afirmar, sem receio, que o princípio da igualdade consiste em assegurar regramento uniforme às pessoas que não sejam entre si diferenciáveis por razões lógica e substancialmente (isto é, à face da Constituição) afinadas com eventual disparidade de tratamento.
Não há nele, pois, garantia alguma de que pessoas diferenciadas de outras façam jus a tratamento normativo idêntico ao que a estas foi dispensado quando tal diferenciação se haja estribado em razões que - não sendo incompatíveis com valores sociais residentes na Constituição – possuam fomento lógico na correlação entre o fator de discrímen e a diversidade de tratamento que lhe foi consequente.
O que se visa com o preceito isonômico é impedir favoritismos ou perseguições. É obstar a agravos injustificados, vale dizer, que incidam apenas sobre uma classe de pessoas em despeito de inexistir uma racionalidade apta a fundamentar uma diferenciação entre elas que seja compatível com os valores sociais aceitos no texto constitucional.
Nestes termos, extrai-se do art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, que a licitação deve objetivar a isonomia, a obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, o desenvolvimento nacional sustentável, sendo vedado aos agentes públicos, na forma do inciso I do seu § 1º, que sejam admitidos, previstos, incluídos ou tolerados, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do certame, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato.
Ou seja, interpretação a contrario sensu, sistemática e compatível com o melhor doutrina afeta ao preceito constitucional da isonomia, impõe não só um poder, mas um dever ao agente público de, nos casos em que haja circunstância pertinente e relevante para o específico objeto do contrato, prever clásuslas ou condições voltadas para conferir tratamento diferenciado aqueles concorrentes que se encontrem em situação distinta, sendo que, obviamente, o fator de discrímen deve necessariamente ser compatível e justificável diante dos valores axiológicos protegidos pela Constituição, intimamente afetos às peculiaridades do caso concreto e do objeto perseguido no certame.
Sobre a Lei nº 12.690, de 2012, que dispõe sobre a organização e funcionamento das Cooperativas de Trabalho, observa-se que a legislação foi cristalina ao delimitar os termos e condições que caracterizam o trabalho em cooperativa, diferenciando do vínculo de emprego:
Art. 2º Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.
§ 1º A autonomia de que trata o caput deste artigo deve ser exercida de forma coletiva e coordenada, mediante a fixação, em Assembleia Geral, das regras de funcionamento da cooperativa e da forma de execução dos trabalhos, nos termos desta Lei.
§ 2º Considera-se autogestão o processo democrático no qual a Assembleia Geral define as diretrizes para o funcionamento e as operações da cooperativa, e os sócios decidem sobre a forma de execução dos trabalhos, nos termos da lei.
Art.3º A Cooperativa de Trabalho rege-se pelos seguintes princípios e valores:
I - adesão voluntária e livre;
II - gestão democrática;
III - participação econômica dos membros;
IV - autonomia e independência;
V - educação, formação e informação;
VI - intercooperação;
VII - interesse pela comunidade;
VIII - preservação dos direitos sociais, do valor social do trabalho e da livre iniciativa;
IX - não precarização do trabalho;
X - respeito às decisões de asssembleia, observado o disposto nesta Lei;
XI - participação na gestão em todos os níveis de decisão de acordo com o previsto em lei e no Estatuto Social.
…
Art. 5º A Cooperativa de Trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada.
…
A razão da divergência instaurada entre a Procuradoria-Geral Federal e a Procuradoria-Geral da União se deu diante do disposto no § 2º e no caput do art. 10 da Lei nº 12.690, de 2012, os quais foram peremptórios ao prever que a cooperativa de trabalho pode ter por objeto social qualquer gênero de serviço, operação ou atividade; bem como ao impedir que as cooperativas de trabalho sejam impedidas de participar de licitações em que o objeto seja compatível com as atividades previstas em seu estatuto social:
Art. 10. A Cooperativa de Trabalho poderá adotar por objeto social qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto no seu Estatuto Social.
§ 1o É obrigatório o uso da expressão “Cooperativa de Trabalho” na denominação social da cooperativa.
§ 2o A Cooperativa de Trabalho não poderá ser impedida de participar de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto social.
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De fato, e data maxima venia, ligeira leitura das inovações legislativas introduzidas pela Lei nº 12.349, de 2010, e pela Lei nº 12.690, de 2010, notadamente diante do art. 10, § 2º, desta última, e do inciso I, §1º, do art. 3º, da Lei nº 8.666, de 1993, podem revelar que, em quaisquer circunstâncias, deve ser admitido que cooperativas de trabalho participem e concorram em licitações públicas.
Ocorre que, diante de referidas disposições legais, especialmente a parte final do inciso I, §1º, do art. 3º, da Lei nº 8.666, de 1993, continua possível conferir tratamento diferenciado a cooperativas de trabalho nas hipóteses em que o tratamento diverso outorgado for justificável por existir uma ‘correlação lógica’ entre o ‘fator de discrímen’ tomado em conta e o objeto licitado.
Ora, como muito bem destacado pelo Parecer nº 0002/2015/DTB/PGU/AGU, o Termo de Conciliação judicial firmado entre o Ministério Público do Trabalho e a União, objeto desta análise, foi celebrado sob a plena vigência do parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, e do art. 90 da Lei nº 5.764, de 1971, os quais dispõem que:
CLT
Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.
Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. (Incluído pela Lei nº 8.949, de 9.12.1994)
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Lei nº 5.764, de 1971
Art. 90. Qualquer que seja o tipo de cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados.
Tais disposições legais, obviamente, não impediram a celebração do Termo de Conciliação Judicial, nem tampouco que juízes e tribunais da Justiça do Trabalho reconheçam o vínculo empregatício diante de vários casos concretos em que a relação formal de trabalho dos cooperados revelou presentes os elementos da subordinação, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade.
De fato, no âmbito do Direito do Trabalho, prevalece o valor axiológico de proteção aos direitos dos trabalhadores e da primazia da realidade, nestes termos, ainda que formalmente haja um vínculo de trabalho cooperativo, tais dispositivos legais - parágrafo único do art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho, e art. 90 da Lei nº 5.764, de 1971, jamais foram obstáculo jurídico ao reconhecimento da relação de emprego, caso demonstrados seus elementos caracterizadores.
Em igual sentido, deve o exegeta interpretar o art. 10, § 2º, da Lei nº 12.690, de 2012, e o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666, de 1993, sub à luz dos princípios vetores da ordem jurídica. Referidas disposições, mesmo supervenientes ao Termo de Conciliação Judicial, não devem prevalecer sobre o princípio da primazia da realidade, segundo o qual a realidade fática demonstrada na relação laboral deve necessariamente prevalecer sobre a relação de trabalho formalmente documentada.
Na espécie, acurada leitura dos Pareceres paradigmas e divergentes, lançados pela Procuradoria-Geral Federal e Procuradoria-Geral da União, revelam que não há, obviamente, controvérsia acerca da impossibilidade jurídica de se contratar falsas cooperativas para prestação dos serviços arrolados no Termo de Conciliação Judicial.
A controvérsia reside, pois, na possibilidade jurídica ou não de existir, de fato, uma relação jurídica de trabalho em cooperativa no âmbito dos serviços terceirizados arrolados na cláusula primeira do Termo de Conciliação Judicial.
Os subsídios trazidos aos autos revelam que a Procuradoria-Geral da União possui o entendimento que deve prevalecer, uma vez que, as circunstâncias que caracterizam a execução dos aludidos serviços terceirizados, previstos no Termo de Conciliação Judicial, revelam que sua execução demanda, por sua própria natureza, que haja uma relação de subordinação, com pessoalidade, habitualidade e onerosidade, elementos típicos do vínculo empregatício, na forma dos arts. 2º, 3º e 9º, da CLT:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
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Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
Sobre a matéria, a Corte de Contas possui a Súmula nº 281, segundo a qual “É vedada a participação de cooperativas em licitação quando, pela natureza do serviço ou pelo modo como é usualmente executado no mercado em geral, houver necessidade de subordinação jurídica entre o obreiro e o contratado, bem como de pessoalidade e habitualidade”. Neste sentido, a vedação colacionada no Termo de conciliação judicial decorre da própria essência dos serviços que são arrolados no termo, como também se ampara juridicamente na parte final do inciso I, do § 1º, do art. 3º, da Lei nº 8.666, de 1993, uma vez que o preceito da isonomia justifica e exige que seja conferido tratamento diferenciado nas hipóteses em que haja pertinência lógica entre os valores e serviços perseguidos e as condições peculiares dos interessados
Em precedente posterior à Lei nº 12.690, de 2012, extraído do Informativo de Licitações e Contratos nº 165, a Corte de Contas fixou o entendimento de que o serviço de conservação e limpeza, que é um dos arrolados no Termo de Conciliação Judicial em mesa, não pode ser executado por cooperativa de trabalho, uma vez que, por sua natureza, os serbi9ços demandam subordinação, pessoalidade, e habitualidade, intrínsecos à relação de emprego
2. É irregular a participação de cooperativas em licitação cujo objeto se refira a prestação de serviço que exija relações próprias de emprego, como subordinação (hierarquia) e habitualidade (jornada de trabalho) dos trabalhadores.
Representação relativa à licitação promovida pela Transpetro para a contratação de serviços auxiliares à operação com navios e caminhões tanques e serviços de conservação e limpeza no Terminal de Cabedelo, na Paraíba, apontara irregularidade na adjudicação do certame a cooperativa, vez que o trabalho desenvolvido implicaria subordinação e cumprimento de jornada. Em preliminar, foram realizadas as oitivas regimentais para que a Transpetro e a cooperativa contratada comprovassem que a prestação de serviço “prescindirá de subordinação, pessoalidade e habitualidade dos trabalhadores, sendo adequada para uma cooperativa e, portanto, não exigindo, necessariamente, que nela haja relações próprias de emprego”. Analisando o mérito, o relator apontou que as alegações apresentadas “foram incapazes de afastar a suspeita de que os trabalhos estejam sendo desenvolvidos de forma incompatível com a natureza associativa da contratada. Em particular, foi observada a existência de hierarquia entre os prestadores de serviços (...), com a presença de auxiliares e supervisores, o que denota a existência de subordinação nas atividades por eles desempenhadas”. Ademais, o contrato estabelecera que os serviços deveriam obedecer escala de horários, o que implica, necessariamente, a adoção de jornada regular para os trabalhadores. Concluiu o relator, assim, restar configurada “existência de características que tornam indevida a contratação dos serviços por intermédio de uma associação cooperativa”. Nesse passo e considerando a avença estar no final de sua vigência, sugeriu a expedição de determinação à Transpetro para que se abstivesse de prorrogar o contrato, promovendo, caso necessária a continuidade da prestação dos serviços, novo procedimento licitatório, “assegurando-se que suas cláusulas impeçam a participação de cooperativa quando houver necessidade de subordinação ou cumprimento de jornada”. Ao apreciar o feito, o Tribunal julgou procedente a representação, expedindo a determinação proposta pela relatoria. Acórdão 2221/2013-Plenário, TC 029.289/2009-0, relator Ministro José Múcio Monteiro, 21.8.2013.
A doutrina de escol acerca da matéria, da lavra de Marçal Justen filho, extraída da obra “Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, 16ª Edição, 2014, Revista dos Tribunais, p. 555 e 557, revelam que, de fato, a participação de cooperativas em certames licitatórios deve continuar sendo vedada, mesmo diante da superveniência da Lei nº 12.690, de 2012, nas hipóteses em que as peculiaridades do serviço objeto da contratação demande sua execução em regime incompatível com a autonomia inerente ao regular funcionamento de cooperativas:
“Aliás, esse mesmo problema conduziu a uma inovação fática, relacionada com os riscos de fraude à legislação trabalhista por meio de contratação de cooperativas de mão de obra, especialmente com a perspectiva de responsabilização da Administração Pública pelos encargos não saldados adequadamente por ‘empregadores ocultos’. Ou seja, havia cooperativas que atuavam como fornecedoras de trabalho empregado, pretendendo obter vantagens próprias dos atos cooperativos. A decorrência foi um acordo firmado entre o Ministério Público do Trabalho e a Advocacia-Geral da União. Esse acordo foi reconhecido como válido, inclusive pelo próprio STJ, em decisão assim ementada:
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As considerações anteriores não se tornaram prejudicadas pela superveniência da Lei nº 12.690/2012, que dispôs sobre a organização e funcionamento das cooperativas de trabalho.
O art. 4º, II, do diploma prevê que a cooperativa de trabalho será ‘de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de emprego’. Portanto, não está compreendida no âmbito de atuação de uma cooperativa de trabalho a atuação que seja qualificável como relação trabalhista. Logo, se o contrato objeto da licitação envolver requisitos aptos a propiciar a existência de relação empregatícia entre a cooperativa e os cooperados, não existirá cabimento de sua prestação por meio de cooperativa.
Esse pressuposto norteia a interpretação do § 2º do art. 10 do referido diploma, que determina que: ‘A Cooperativa de Trabalho não poderá ser impedida de participar de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto social’.
Tem de interpretar-se o dispositivo nos termos já expostos. Se o objeto do contrato conduzir ao surgimento de vínculo de subordinação entre a cooperativa e o cooperador, existirá uma atuação não compreensível no objeto de uma cooperativa de trabalho. Logo, somente se aplica o art. 10, § 2º, da Lei 12.690/2012 quando o objeto contratual puder ser executado pelos cooperados sem vínculo trabalhista em face da cooperativa (e da entidade administrativa, como é óbvio).”
Acrescente-se que este Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídico, através do Parecer nº 71/2012/DECOR/CGU/AGU, exarado nos autos do processo nº 00439.000465/2011-81, já havia consolidado que o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666, de 1993, com a redação conferida pela Lei nº 12.349, de 2010, não conflita com o Termo de Conciliação Judicial em análise, não impedindo a contratação pela Administração de genuínas cooperativas de trabalho, desde que, obviamente, e de fato, trate-se de sociedade que execute serviços sem relação de emprego.
Não se pode olvidar que, na forma da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho, e em conformidade com o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16, do Supremo Tribunal Federal, a Administração Pública responde pelos encargos trabalhistas caso reste caracterizado que, na fiscalização da execução do contrato administrativo, atuou com culpa in vigilando ou in eligendo. Não basta o mero inadimplemento do fornecedor, a responsabilização da União não prescinde da demonstração de falhas ou omissões na fiscalização do contrato, a cargo da Administração.
De fato, na forma da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial” e “Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”.
Em casos de celebração de contratos de terceirização com cooperativas, a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores é no sentido de que a Administração Pública, em tese, poderá responder pelos encargos trabalhistas devidos aos trabalhadores caso reste caracterizado, de fato, o vínculo empregatício, ou seja, nas hipóteses em que houve a contratação de uma falsa cooperativa.
Nesta senda, a vedação à participação de cooperativas nas licitações cujo objeto esteja inserido no rol dos serviços arrolados no Termo de Conciliação Judicial representa medida voltada a afastar o sério risco de condenação da União em eventuais reclamações trabalhistas ajuizadas pelos interessados, uma vez que, na forma certificada pela Procuradoria-Geral da União, no Parecer 002/2015/DTB/PGU/AGU – seq. 9, “... mesmo após a edição da Lei 12.690/2012, não se tem notícias de ações judiciais movidas por cooperativas de trabalho, pelos menos em face à União, questionando a participação em licitações na Administração Direta Federal, fato esse que leva a deduzir pela inexistência de autênticas cooperativas nas atividades listadas no referido acordo. Não obstante, a diferença de direitos entre um cooperado e um empregado celetista, conforme tratado no item 11, somente viria a acentuar um cenário de litigiosidade, na medida em que, via de regra, o ex-cooperado busca o posterior ressarcimento judicial de verbas trabalhistas alegando fraudes na prática do cooperativismo (facilmente reconhecidas pela Justiça do Trabalho), além de incluir os entes públicos como responsável subsidiário”.
Sobre a matéria, e por todos, seguem dois recentes precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, todos inequívocos no sentido de reconhecer o vínculo empregatício em caso de ofensa aos preceitos que regem os trabalhos em regime de cooperativa, bem como uníssonos ao admitir a responsabilização subsidiária da Administração em caso de fraude e vícios de fiscalização:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. 1. ENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE COOPERATIVA FRAUDULENTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ADC 16/DF. CABIMENTO. CULPA IN VIGILANDO CONFIGURADA. A situação posta nos autos envolve, sem sombra de dúvida, intermediação ilícita de mão de obra sob a feição de relação cooperativista, o que implicaria reconhecer o vínculo de emprego diretamente com a Administração Pública, não fosse o óbice do art. 37, II, da Constituição Federal e da Súmula 331, II, do TST. Contudo, considerando as peculiaridades do caso concreto, estando incontroversa a apropriação dos resultados da mão de obra fornecida e constatada a atuação ou omissão culposa, a responsabilidade subsidiária do tomador há de ser reconhecida, sob pena de lesão ao entendimento consagrado no item V da Súmula 331 do TST. Embora a constitucionalidade do art. 71 da Lei 8.666/93 tenha sido declarada em definitivo pela Excelsa Corte Suprema no julgamento proferido na ADC 16/DF, não há óbice para a condenação subsidiária dos entes jurídicos integrantes da Administração nas situações em que configurada a omissão no regular acompanhamento e fiscalização da execução dos contratos de terceirização celebrados, particularmente em relação ao cumprimento das obrigações trabalhistas (legais e contratuais) por parte das empresas contratadas (Súmula 331, V, do TST). Constatada pela Corte de origem a culpa in vigilando da Administração, em face da insuficiência de sua ação preventiva, legítima se revela a condenação.
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(AIRR - 775-37.2011.5.01.0079 , Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 25/11/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/12/2015)
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA. COOPERATIVA FRAUDULENTA. TERCEIRIZAÇÃO IRREGULAR E FRAUDE PERPETRADA PELAS DUAS RECLAMADAS, O QUE É SUFICIENTE PARA COMPROVAR A EXISTÊNCIA DE CULPA NA CONDUTA DO ENTE PÚBLICO CONTRATANTE COM SUA CONSEQUENTE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA PELAS OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS DO EMPREGADOR CONTRATADO. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 186, 927, CAPUT, E 942 DO CÓDIGO CIVIL. Conforme ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal, com eficácia contra todos e efeito vinculante (art. 102, § 2º, da Constituição Federal), ao julgar a Ação Direta de Constitucionalidade nº 16-DF, é constitucional o art. 71, § 1º, da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), na redação que lhe deu o art. 4º da Lei nº 9.032/95, com a consequência de que o mero inadimplemento de obrigações trabalhistas causado pelo empregador de trabalhadores terceirizados, contratados pela Administração Pública, após regular licitação, para lhe prestar serviços de natureza contínua, não acarreta a esta última, de forma automática e em qualquer hipótese, sua responsabilidade principal e contratual pela satisfação daqueles direitos. No entanto, no caso em que restar demonstrada a irregularidade da contratação de prestação de serviços pelo ente público, é esse claramente responsável pelos créditos do reclamante, por sua conduta flagrantemente culposa e fraudulenta ao praticar uma terceirização ilícita. No caso, o Tribunal a quo expressamente registrou que a reclamante não era cooperada, mas sim verdadeira empregada da Cooperativa que fornecia irregularmente mão de obra ao ente público, tendo concluído que restou patente a fraude perpetrada pelas duas reclamadas, o que, por si só, é suficiente para atribuir ao ente público a responsabilidade pelos créditos do reclamante, não apenas com fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil, mas também com amparo no artigo 942, do citado código, que estabelece a responsabilidade patrimonial de todos os que participaram da prática ilícita, ou seja, os autores do dano. A responsabilidade extracontratual ou aquiliana da Administração Pública, nos casos de terceirização ilícita, decorre da sua conduta ilícita - prática de fraude - acerca da terceirização celebrada com cooperativa fraudulenta, e não, simplesmente, do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas pela prestadora de serviços. Portanto, se as duas reclamadas praticaram fraude em relação à terceirização de serviços, não se aplica o disposto no artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 para afastar a responsabilidade subsidiária do ente público, de cuja incidência somente se pode razoavelmente cogitar quando há regularidade do contrato de prestação de serviços, o que comprovadamente, não se verificou, no caso dos autos, conforme expressamente registrado no acórdão regional. Nesses casos, sem nenhum desrespeito aos efeitos vinculantes da decisão proferida na ADC nº 16-DF e da própria Súmula Vinculante nº 10 do STF, continua perfeitamente possível, à luz das circunstâncias fáticas da causa e do conjunto das normas infraconstitucionais que regem a matéria, que se reconheça a responsabilidade extracontratual, patrimonial ou aquiliana do ente público contratante autorizadora de sua condenação, ainda que de forma subsidiária, a responder pelo adimplemento dos direitos trabalhistas de natureza alimentar dos trabalhadores terceirizados que colocaram sua força de trabalho em seu benefício. Tudo isso acabou de ser consagrado pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, ao revisar sua Súmula nº 331, em sua sessão extraordinária realizada em 24/5/2011 (decisão publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho de 27/5/2011, fls. 14 e 15), atribuindo nova redação ao seu item IV e inserindo-lhe o novo item V, nos seguintes e expressivos termos: "SÚMULA Nº 331. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. (...)IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada" (destacou-se). Tendo em vista a prática de ato ilícito caracterizado pela fraude perpetrada pelas reclamadas, está evidenciada a culpa do ente público capaz de autorizar sua responsabilização solidária, conforme decidido pelo Regional. Agravo de instrumento desprovido.
(AIRR - 10351-46.2013.5.03.0041 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 18/11/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/11/2015)
Nestes termos, os arts. 10, § 2º, da Lei nº 12.690, de 2012, e o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666, de 1993, devem ser interpretados de forma sistemática, de maneira a preservar os valores axiológicos protegidos pela Constituição Federal de 1988, notadamente os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana, a proteção ao trabalhador, e a primazia da realidade, segundo o qual a verdade fática existente e demonstrada deve prevalecer sobre as formalidades e os registros documentais.
Ex positis, no regular exercício das competências conferidas pelo art. 14, do Anexo I, do Decreto nº 7.392, de 2010, este Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos da Consultoria-Geral da União conclui que a superveniência da Lei nº 12.690, de 2012, e da Lei nº 12.349, de 2010, não prejudicou a plena vigência do Termo de Conciliação Judicial firmado entre a União e o Ministério Público do Trabalho, nos autos da Ação Civil Pública nº 01082-2002-020-10-00-0, que tramitou perante a 20ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, restando incólume o entendimento de que a União deve se abster de celebrar contratos administrativos com cooperativas de trabalho nas hipóteses em que a execução dos serviços terceirizados, por sua própria natureza, demande vinculo de emprego dos trabalhadores em relação à contratada.
Se aprovado pelo Advogado-Geral da União, nos termos do art. 12, inciso V, do Anexo I, do Decreto nº 7.392, de 2010, sugere-se que seja conferida ampla publicidade a este Parecer, especialmente para ciência da Procuradoria-Geral Federal, da Procuradoria-Geral da União, das Consultorias Jurídicas junto a Ministérios e órgãos equivalentes, e para as Consultorias Jurídicas da União nos Estados.
É o Parecer.
Brasília, 10 de dezembro de 2015.
VICTOR XIMENES NOGUEIRA
ADVOGADO DA UNIÃO
Atenção, a consulta ao processo eletrônico está disponível em http://sapiens.agu.gov.br mediante o fornecimento do Número Único de Protocolo (NUP) 00407004648201496 e da chave de acesso 3baff374