ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
CONSULTORIA-GERAL DA UNIÃO
DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS


 

PARECER n. 00046/2016/DECOR/CGU/AGU

 

NUP: 00733.000148/2015-64

INTERESSADOS: DEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO E ORIENTAÇÃO DE ÓRGÃOS JURÍDICOS E OUTROS

ASSUNTOS: REPACTUAÇÃO DE CONTRATOS ADMINISTRATIVOS EM DECORRÊNCIA DE AUMENTO OU DIMINUIÇÃO DE ONEROSIDADE TRIBUTÁRIA, APÓS APLICAÇÃO DO FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO. 

 

 
EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO TRIBUTÁRIO. LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. REPERCUSSÕES TRIBUTÁRIAS. FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO – FAP. DIMINUIÇÃO DOS ENCARGOS CONTRATUAIS PARA A QUAL CONCORRE A CONTRATADA. POSSIBILIDADE DE REPACTUAÇÃO CONTRATUAL EM FAVOR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AUMENTO DOS CUSTOS CONTRATUAIS PARA O QUAL CONCORRE A CONTRATADA. IMPOSSIBILIDADE DE REPACTUAÇÃO CONTRATUAL EM FAVOR DA CONTRATADA. 
1. A controvérsia cinge-se à analise das consequências da diminuição dos encargos tributários sobre os contratos administrativos em decorrência da aplicação do FAP (Fator Acidentário de Prevenção). Mais especificamente, acerca da (im)possibilidade de repactuação contratual em favor da Administração Pública, em que pese a sociedade empresária ter promovido maior prevenção no âmbito da segurança no trabalho.
2. O ponto guarda ligação, de forma semelhante, com as implicações provenientes de aumento dos ônus tributários - em decorrência do FAP, cujo entendimento do DECOR/CGU, no Parecer nº 150/2010/DECOR/CGU/AGU, foi no sentido de não constituir causa apta a viabilizar a aplicação da revisão em favor do particular contratado. Embora não se tenha tratado de repactuação, a premissa de que a majoração da contribuição tributária, mediante a aplicação do FAP, depende predominantemente do comportamento voluntário do empregador, aplica-se ao presente caso.
3. Tanto nas hipóteses de diminuição, quanto de aumento, o comportamento e a atuação do contratado são decisivos para fins de determinação do FAP e do respectivo ônus tributário. Quando há aumento dos custos, a Administração Pública tem  defendido a impossibilidade de acolher a pretensão do particular de repactuação (ou até mesmo de revisão), vez que além de depender de seu comportamento (que não pode ser contraditório), a razão de ser do FAP é justamente estimular a adoção de medidas que reduzam os acidentes de trabalho, entre outros fundamentos que podem ser aplicados. Para o Tribunal de Contas, constatada a diminuição dos custos na execução contratual, é imperiosa a repactuação do preço em favor da Administração.
4. A função extrafiscal tributária, aplicada pelo Estado-legislador ao considerar o FAP para fins de determinação da alíquota tributária, não pode ser elastecida pelo Estado-administrador para que se estipulem benefícios ou incentivos, ainda que de forma indireta, em favor do particular. A extrafiscalidade pode abarcar diversos aspectos, cujas definições e avaliações acerca das consequências estão insertas na política tributária extrafiscal, pertencente à liberdade de conformação do legislador. Assim, a interpretação dos institutos de direito administrativo não pode viabilizar a ampliação das funções extrafiscais, que se correlacionam com o regime jurídico administrativo.
5. A adoção de boas medidas, relacionadas à prevenção acidentária, de modo a reduzir o ônus tributário, continuam sendo estimuladas mesmo quando, vislumbrada a diminuição dos custos contratuais, ocasionem a repactuação em favor da Administração Pública. Isso é possível porque a diminuição dos respectivos ônus tributários - sobre o particular, à luz do regime jurídico tributário e da política tributária extrafiscal, não precisa ser sentida nos contratos em andamento, sendo suficiente a aplicação dos benefícios da extrafiscalidade (v.g. redução na estimativa dos custos) em contratações posteriores. Além disso, a piora ou a mera manutenção de desempenho negativo na esfera acidentária, ocasionam os efeitos negativos da majoração ou da persistência da carga tributária onerosa, sendo bastante para consubstanciar forma de pressão que impulsione a adoção ou modificação voluntária de comportamento, mesmo quando há repactuação em proveito da Administração Pública.
7. Em se  tratando  de  contratos administrativos onde a Administração Pública  consta como  parte,  não  há que se falar em isonomia perfeita, pois todos as avenças celebradas sofrem as derrogações próprias das normas publicistas, mesmo os pactos de Direito Privado. In casu, a diferença de tratamento em face do particular decorre do regime jurídico tributário (jus imperii) e do administrativo (indisponibilidade do interesse público), não podendo a função extrafiscal analisada funcionar como "via de mão dupla", à míngua de previsão legal, inobstante necessite de aperfeiçoamentos.
 
 

Senhor Diretor,

 

I. RELATÓRIO.

 

Os autos revelam, originariamente, consulta formulada à consultoria jurídica do Ministério da Integração, pelo Diretor do Departamento de Gestão Interna, a respeito de orientação jurídica a ser adotada no que tange às consequências da diminuição do índice pertinente ao FAP (Fator Acidentário de Prevenção), a influenciar os encargos incidentes sobre os contratos administrativos. A questão toca, especificamente, a (im)possibilidade de repactuação contratual em favor da Administração Pública, diante da diminuição do ônus tributário da contratada, mesmo quando esta promoveu maior segurança no trabalho,

A Divisão de Atividades Auxiliares da Pasta Ministerial fez alusão ao PARECER n° 294/2015/CONJUR-MIN/CGU/AGU, que tratou de casos em que há elevação do índice FAP, ou seja, quando há piora nas condições de segurança do trabalho. Nessas hipóteses, o entendimento havia sido pela impossibilidade de repactuação contratual em favor dos particulares, linha de intelecção igualmente adotada no ulterior PARECER n° 00507/2015/CONJUR-MIN/CGU/AGU.

Cumpre frisar, ainda, que este Departamento de Coordenação e Orientação já se manifestou quanto à elevação do índice FAP, entendimento que coincide com o exarado nos pareceres supramencionados, no sentido da impossibilidade de gerar direito à revisão contratual e ao aumento do preço nos respectivos contratos administrativos em favor do contratado. A posição foi firmada no PARECER n° 150/2010/DECOR/CGU/AGU, da lavra do Excelentíssimo Advogado da União Dr. Rafael Fulgêncio Figueiredo, aprovado pelo Consultor-Geral da União à época em exercício. Há que se salientar, lado outro, que o caso não tratou de repactuação

Percebe-se, assim, que se trata de consulta endereçada à Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Integração Nacional, posteriormente encaminhada à Consultoria-Geral da União, acerca das consequências da diminuição do índice FAP, substancialmente diferente da hipótese de elevação, anteriormente uniformizada por este Departamento e já enfrentada pelo próprio Ministério.

 

É o relatório. Passo à fundamentação.

 

 

II. - FUNDAMENTAÇÃO.

 

II.1. - PRELIMINAR

 

É necessário registrar que, após a solicitação contida no MEMORANDO Nº 303/2015/CONJUR-MIN/CGU/AGU, do Ministério da Integração, o tema fora submetido a este Departamento. Há que se ter em mente, forte nos arts. 10 e 11, III, da Lei Complementar nº 73/93, arts. 12, V, e 14, I, alíneas 'a', 'b', e 'c',  do Decreto nº 7.392/10, que não compete a este Departamento responder a consultas, revisar ou ratificar entendimentos de outras unidades consultivas, sem demonstração in concreto da controvérsia entre órgãos jurídicos, sob pena de usurpação de competências, sem prejuízo das pertinentes à Consultoria-Geral da União e do Exmo. Advogado-Geral da União.

Nesse quadro, às Consultorias Jurídicas junto aos Ministérios e órgãos assemelhados, compete, por sua vez, “fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação”. Esta é a dicção do art. 11, inciso III, da Lei Complementar nº 73/93, verbis

 

Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente: I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
IV - elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:
a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;
b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação. 

 

No caso dos autos, não há referência a qualquer divergência interpretativa (in concreto) no âmbito dos órgãos jurídicos consultivos da Administração Pública federal, além de a consultoria ter apresentado manifestação conclusiva sobre o caso. Essa linha de argumentação foi exposta pela própria consultoria (PARECER  n° 507/2015/CONJUR-MIN/CGU/AGU):

 

29. A respeito da presente consulta, deve-se frisar, desde já, que não se concorda com a afirmação da área administrativa no sentido de que há “divergência entre o entendimento da Conjur-MI [expresso no Parecer nº 294/2015/CONJUR-MIN/CGU/AGU] e o do Tribunal de Contas da União, em seu Parecer Preliminar [Relatório Preliminar de Auditoria TC 021.928/2014-2]” (fl. 76). 
30. Com efeito, o Parecer nº 294/2015/CONJUR-MIN/CGU/AGU tratou especificamente da hipótese de aumento do índice FAP, para concluir que essa circunstância não constitui causa apta a elevar o preço em contratos administrativos, seja qual for o instituto considerado (revisão, reajuste ou repactuação). O TCU, por sua vez, manifesta-se especificamente sobre a hipótese de diminuição do índice FAP, para sustentar que essa circunstância enseja repactuação do preço em favor da Administração. 
31. Como se vê, não existe, a rigor, divergência entre as duas posições, pois as hipóteses tratadas não guardam relação de identidade. 
32. No presente momento, este parecerista passará a enfrentar, pela primeira vez, a questão atinente aos influxos da diminuição do índice FAP sobre contratos administrativos.

 

 No entanto, passo a analisar a matéria, pois este Departamento já se manifestou sobre a elevação do índice FAP e, assim sendo, guarda liame temático com esta situação oposta, qual seja a diminuição do índice.

 

II.2. PREMISSAS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS ACERCA DO TEMA.

 

Inicialmente, cumpre repisar que a elevação - situação já analisada pelo Departamento - e a diminuição do índice FAP podem produzir consequências tributárias e contratuais. Nesse contexto, é inegável que a temática guarda íntima ligação com o equilíbrio econômico-financeiro contratual, terminologia aqui utilizada em sentido amplo.

A Constituição Federal de 1988, analítica e até mesmo detalhista e prolixa, impulsionada pelo fenômeno da constitucionalização do direito, momento em que passou a funcionar como filtro axiológico das demais normas, acabou por influenciar também a inclusão de diversos assuntos nos textos constitucionais. Nessa linha, a Constituição brasileira chegou a tratar inclusive do tema sob exame, afeto ao regime jurídico administrativo. Com efeito, o art. 37, XXI, determina que:

 

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

 

A doutrina do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello - acerca do conceito e do âmbito de incidência do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo - é precisa, além de demonstrar a existência de consenso doutrinário, firme em Rivero, Waline, Hely Lopes Meirelles e Marcello Caetano:

 

48. Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá. A equação econômico-financeira é intangível.
 
52. A proteção ao equilíbrio econômico-financeiro é ampla e se manifesta com respeito às seguintes diferentes situações:
a) Agravos econômicos oriundos das sobrecargas decididas pelo contratante no uso de seu poder de alteração unilateral do contrato [...].
b) Agravos econômicos resultantes de medidas tomadas sob titulação jurídica diversa da contratual [...].
c) Agravos econômicos sofridos em razão de fatos imprevisíveis produzidos por forças alheias às pessoas contratantes e que convulsionam gravemente a economia do contrato [...].
d) Agravos econômicos provenientes das chamadas "sujeições imprevistas". [...].
e) Agravos econômicos resultantes da inadimplência da Administração contratante, isto é, de uma violação contratual. [...].

 

Embora nem todos os doutrinadores utilizem as mesmas terminologias e definições, para os fins deste parecer serão utilizadas as descritas pela CONJUR-MIN, segundo as quais o equilíbrio econômico-financeiro abarca situações de reajuste em sentido amplo (álea ordinária) e revisão (ou reequilíbrio; álea extraordinária). Dentro da primeira categoria, há o reajuste em sentido estrito (correção dos valores, para recompor impactos inflacionários) e a repactuação, ao passo que a revisão ou reequilíbrio diz respeito à imprevisão.

Enquanto que o reajuste em sentido amplo é regrado pelo arts. 40, XI, e 55, III, ambos da Lei nº 8.666/93, a revisão é disciplinada no art. 65 do mesmo diploma. Ainda de forma distinta, o art. 65, § 8°, da Lei 8.666/93 dispõe que a repactuação ocorre por apostila, o que dispensa termos aditivos, diferente do que ocorre na revisão, que implica a alteração da cláusula contratual atinente ao preço ajustado.

Para os fins do presente caso, importa focar na repactuação, pois não está em controvérsia a recomposição de impactos inflacionários, situações imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis. O instituto, como bem lembrado pela CONJUR-MIN, além de ter respaldo  jurídico no artigo 40, XI da Lei nº 8.666/93, foi previsto no art. 5º do Decreto n.º 2.271/97 e na IN-SLTI nº 02/08, especificamente nos artigos 37 a 41-B:

 

 

DECRETO Nº 2.271/97​
 
Art . 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstrarão analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.
 
IN-SLTI nº 02/08
 
Art. 37. A repactuação de preços, como espécie de reajuste contratual, deverá ser utilizada nas contratações de serviços continuados com dedicação exclusiva de mão de obra, desde que seja observado o interregno mínimo de um ano das datas dos orçamentos aos quais a proposta se referir, conforme estabelece o art. 5º do Decreto nº 2.271, de 1997.(Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
§ 1º A repactuação para fazer face à elevação dos custos da contratação, respeitada a anualidade disposta no caput, e que vier a ocorrer durante a vigência do contrato, é direito do contratado, e não poderá alterar o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos, conforme estabelece o art. 37, inciso XXI da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo assegurado ao prestador receber pagamento mantidas as condições efetivas da proposta. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
§ 2º A repactuação poderá ser dividida em tantas parcelas quanto forem necessárias em respeito ao princípio da anualidade do reajuste dos preços da contratação, podendo ser realizada em momentos distintos para discutir a variação de custos que tenham sua anualidade resultante em datas diferenciadas, tais como os custos decorrentes da mão de obra e os custos decorrentes dos insumos necessários à execução do serviço. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009).
 
Art. 38. O interregno mínimo de 1 (um) ano para a primeira repactuação será contado a partir:
I - da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
II - da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão-de-obra e estiver vinculada às datas-base destes instrumentos. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)
 

No ponto, assiste razão à CONJUR-MIN quando percebe que a repactuação tem base de cálculo distinta da que subjaz ao reajuste em sentido estrito, porquanto este ocasiona a alteração do valor nominal do preço, com fulcro em índices oficiais e, de outra banda, aquela avalia a variação dos custos da planilha que deu ensejo à proposta licitatória. Sobre a repactuação, impende transcrever, ainda, o conteúdo da Orientação Normativa Interna nº 23 da CJU/SP:

 

O edital ou o contrato de serviço continuado deverá indicar o critério de reajustamento de preços, sob a forma de reajuste em sentido estrito, admitida a adoção de índices gerais, específicos ou setoriais, ou por repactuação, para os contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, pela demonstração analítica da variação dos componentes dos custos.

 

II.3. O FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO (FAP).

 

O fator acidentário de prevenção é regulado pela Lei nº 10.666/03, com o desiderato de permitir uma variação da tributação que leva em conta os Riscos Ambientais do Trabalho (RAT), a depender do desempenho (melhor ou pior) de cada sociedade empresária no que toca à saúde e segurança no trabalho. Consequentemente, à luz dos acontecimentos, as alíquotas RAT (contribuição, art. 22, II, da Lei nº 8.212/91) podem ser de 1, 2 ou 3%, sobre o total da remuneração devida, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, tendo em mira os resultados aferidos no âmbito do multiplicador FAP, que varia entre 0,50000 e 2,0000, e leva em conta os dois anos anteriores, com aplicação prevista para o exercício seguinte. 

O Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99) trouxe disposições expressas acerca do Fator Previdenciário Acidentário:

 

Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
§ 1o O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 2o Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009) § 3o (Revogado pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 4o Os índices de freqüência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
I - para o índice de freqüência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 5o O Ministério da Previdência Social publicará anualmente, sempre no mesmo mês, no Diário Oficial da União, os róis dos percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE e divulgará na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa, com as respectivas ordens de freqüência, gravidade, custo e demais elementos que possibilitem a esta verificar o respectivo desempenho dentro da sua CNAE-Subclasse. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 6o O FAP produzirá efeitos tributários a partir do primeiro dia do quarto mês subseqüente ao de sua divulgação. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
§ 7o Para o cálculo anual do FAP, serão utilizados os dados de janeiro a dezembro de cada ano, até completar o período de dois anos, a partir do qual os dados do ano inicial serão substituídos pelos novos dados anuais incorporados. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 8o Para a empresa constituída após janeiro de 2007, o FAP será calculado a partir de 1o de janeiro do ano ano seguinte ao que completar dois anos de constituição. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 9o Excepcionalmente, no primeiro processamento do FAP serão utilizados os dados de abril de 2007 a dezembro de 2008. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 10. A metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social indicará a sistemática de cálculo e a forma de aplicação de índices e critérios acessórios à composição do índice composto do FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
 

Nesse diapasão, a função tributária extrafiscal do FAP salta aos olhos, aquela em que o objetivo não é predominantemente arrecadar, e foi inclusive mencionada pelo legislador no art. Art. 202-A, § 6º, do Regulamento da Previdência Social, na seguinte construção discursiva: "o FAP produzirá efeitos tributários". 

A CONJUR-MIN, acertadamente, teceu considerações sobre a temática, momento em que trouxe à baila fundamentos doutrinários e jurisprudenciais a corroborar a mens legis:

 

50. É evidente que o FAP constitui um mecanismo de tributação extrafiscal direcionado à conduta específica de cada contribuinte e de duplo caráter, ao funcionar como: a) prêmio à sociedade empresária que promove maior segurança no trabalho, com a diminuição do SAT até a metade; ou b) desestímulo à sociedade empresária que vê piorar suas condições de segurança do trabalho, com o aumento do SAT até o dobro. Afinal, segundo o disposto na Resolução MPS/CNPS nº 1.308/2009 (cujo anexo foi alterado pela Resolução MPS/CNPS nº 1.316, de 31 de maio de 2010), o objetivo do FAP “é incentivar a melhoria das condições de trabalho e da saúde do trabalhador estimulando as empresas a implantarem políticas mais efetivas de saúde e segurança no trabalho para reduzir a acidentalidade”.
51. Nesse sentido se posiciona a doutrina, como no seguinte trecho de artigo elaborado pelo Procurador Federal Dr. Pedro Dias Neto:
 
Neste diapasão, no âmbito da seguridade social, verificam-se políticas públicas de natureza extrafiscal importantes para fins de concretização dos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, quais sejam: os direitos previdenciários, o direito à assistência social, o direito à saúde do trabalhador, os direitos trabalhistas, dentre outros. Por conseguinte, além de sofrimento e custos sociais incalculáveis, os acidentes de trabalho geram um prejuízo financeiro significativo para o Brasil. Neste cálculo, verificam-se benefícios pagos pela Previdência Social, os custos despendidos em saúde pública e a perda de produtividade do profissional acidentado. No Brasil, destaca-se política pública de natureza extrafiscal para proteção e promoção do meio ambiente do trabalho, qual seja a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) pelo Decreto 6.042/2007, que acrescentou o art.202-A ao Regulamento da Previdência Social, regulamentando o art.10 da Lei 10.666/2003, o que poderá implicar no aumento em até 100% ou na diminuição em até 50% da contribuição da empresa para o seguro contra acidentes de trabalho (SAT – art.7.º, inciso XXVIII, CF/88), de acordo com o desempenho das empresas em investimentos de prevenção de acidentes de trabalho, evidenciando-se, portanto, a ideia de sanção positiva ou premial do Estado.
 
52. Na seara jurisprudencial, vale a menção ao seguinte trecho de julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
 
Não há que se falar, contudo, especificamente na aplicação de um direito sancionador, o que invocaria, se o caso, o artigo 2º da Lei 9.784/99; deve-se enxergar a classificação das empresas face o FAP não como ‘pena’ em sentido estrito, mas como mecanismo de fomento contra a infortunística e amparado na extrafiscalidade que pode permear essa contribuição SAT na medida em que a finalidade extrafiscal da norma tributária passa a ser um arranjo institucional legítimo na formulação e viabilidade de uma política pública que busca salvaguardar a saúde dos trabalhadores e premiar as empresas que conseguem diminuir os riscos da atividade econômica a que se dedicam. (destaquei)

 

A partir dessas premissas, é possível analisar com mais clareza as consequências da elevação ou diminuição do FAP no que pertine aos custos ligados aos contratos administrativos,de forma a implicar a variação de alíquotas tributárias no exercício seguinte àqueles dois que serviram de paradigma.

 

II.4. AS CONSEQUÊNCIAS CONTRATUAIS PROVENIENTES DA ELEVAÇÃO E DIMINUIÇÃO DO FAP. 

 

Primeiramente, cumpre trazer à baila o entendimento adotado por este Departamento quanto ao SIMPLES NACIONAL, vez que uma das premissas assentadas à época guarda ligação com o tema objeto de análise. Trata-se do PARECER Nº 89/2014/DECOR/CGU/AGU, textualmente ementado da seguinte forma:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO – CONTRATO ADMINISTRATIVO – EXCLUSÃO DO SIMPLES NACIONAL – REPERCUSSÃO NO CUSTO TRIBUTÁRIO – REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. Embora a exclusão do referido tratamento tributário diferenciado eventualmente ocasione aumento da carga tributária, não se trata de criação de novo tributo ou encargo legal e sim saída de regime de tributação mais benéfico.
2. A exclusão do SIMPLES NACIONAL por ato voluntário ou decorrente da ultrapassagem dos limites de enquadramento previstos na Lei Complementar nº 123/2006 não se amolda ao conceito de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis que retardem ou impeçam a execução do ajustado. Trata-se de um aumento de custo inserto na álea econômica ordinária.  
3. O reajuste e a repactuação são institutos destinados a recompor os preços em função do aumento dos custos de contratação, oriundos das variações das condições mercadológicas, mormente a prevenção da degradação monetária trazida pelos índices inflacionários.  Na situação ora examinada o aumento do custo contratual não ocorreu por questões próprias de mercado e sim diante de condição peculiar do contratado.

 

O DESPACHO n. 301/2014/CGOR/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Consultor-Geral da União, fez as seguintes ponderações sintetizadoras: 

 

Sr. Consultor-Geral da União,
Estou de acordo com o PARECER N° 089/2014/DECOR/CGU/AGU, elaborado pelo Advogado da União Dr. Stanley Silva Ribeiro, e com o PARECER Nº 090/2014/DECOR/CGU/AGU, elaborado pelo Advogado da União Dr. Maurício Braga Torres, que concluem que a exclusão do regime do SIMPLES NACIONAL não confere à empresa direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Extrai-se, da leitura de referidas manifestações, que o entendimento adotado está assentado, especialmente, nas seguintes premissas:
1. A exclusão do regime do SIMPLES NACIONAL não caracteriza ocorrência de fato imprevisível ou previsível de consequências incalculáveis, que justifique a modificação do contrato, nos termos do art. 65, inciso II, alínea "d", da Lei nº 8.666/93;
2. A exclusão do regime do SIMPLES NACIONAL não decorre da criação, alteração ou extinção de tributos a que se refere a hipótese do art. 65, §5°, da Lei nº 8.666/93;
3. Segundo entendimento consolidado na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, na licitação, quando se antevê a possibilidade de exclusão da empresa do SIMPLES NACIONAL, não lhe é permitido cotar os benefícios tributários de tal regime em sua proposta de preços;
4. A formulação de proposta com base no regime tributário do SIMPLES NACIONAL permite à empresa o oferecimento de preço mais baixo no certame licitatório, atuando a posterior revisão dos valores devidos pelo contratante público em prejuízo da competição no certame licitatório;
5. O art. 3°, §3°, da Lei Complementar nº 123/06 determina que o desenquadramento do regime do SIMPLES NACIONAL não implica "alteração, denúncia ou qualquer restrição em relação" aos contratos anteriormente firmados pela empresa.

 

Na mesma toada, o PARECER n. 0090/2014/DECOR/CGU/AGU:

 

DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÕES E CONTRATOS. EMPRESA CONTRATADA PELO REGIME DO SIMPLES NACIONAL. MUDANÇA NO REGIME DE TRIBUTAÇÃO EM VIRTUDE DO AUMENTO DA RECEITA BRUTA ANUAL. SOLICITAÇÃO DE REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO EM FACE DA ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
I - A exclusão de empresa contratada do regime Simples Nacional em virtude do aumento de sua receita bruta anual não tem o condão de ensejar a aplicação do instituto do reequilíbrio econômico-financeiro.
II – Eventual revisão do reequilíbrio econômico financeiro em casos da espécie implicaria em um benefício indevido, uma vez que estar-se-ia dando tratamento especial, referente ao regime do Simples Nacional, a empresa que já não lhe faz mais jus. Violação ao princípio da livre concorrência.
 

 No contexto dos referidos pareceres, é possível extrair algumas premissas: a) não se amolda ao conceito de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis; b) não decorre da criação, alteração ou extinção de tributos, a ponto de surpreender o contratado; c) há entendimento consolidado na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, na linha de que, na licitação, quando se antevê a situação, não lhe é permitido utilizá-la para a consecução de benefícios; e d) não se pode conferir benefícios indevidos que implique tratamento especial entre contratantes.  

Esses entendimentos também são aplicáveis às situações de ulterior variação de alíquota tributária em virtude da aplicação do FAP. Especificamente quanto a este, o Departamento, como dito, analisou as consequências de sua elevação, se haveria direito à revisão contratual em prol do particular (e em face da Administração Pública), tendo em vista o aumento dos custos tributários decorrentes de condutas próprias. Com efeito, esta uniformização, realizada no PARECER Nº 150/2010/DECOR/CGU/AGU e aprovada da pelo Consultor-Geral da União, ocorreu nos seguintes termos:

 

PARECER Nº 150/2010/DECOR/CGU/AGU
 
FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO – FAP. REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. MAJORAÇÃO DOS ENCARGOS CONTRATUAIS PARA A QUAL CONCORRE A CONTRATADA PRIVADA. POSSIBILIDADE DE PREVISÃO, AINDA QUE APROXIMADA, DO INCREMENTO DOS CUSTOS DO CONTRATO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO CONTRATO ADMINISTRATIVO E CONSEQUENTE TRANSFERÊNCIA DO ÔNUS PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. INTELIGÊNCIA DO ART. 65, II, “D”, E §5º, DA LEI 8.666/93.
I – Depende do comportamento do empregador a majoração da alíquota de sua contribuição para o financiamento do SAT, decorrente da aplicação do índice FAP, razão pela qual não há que se cogitar da revisão do contrato administrativo em razão de referida majoração.
II – O índice FAP encontra-se previsto em todos os seus aspectos desde a Prolação da Lei 10.666/06, razão pela qual não há que se considerar sua posterior regulamentação por ato do CNPS fato imprevisível, ou previsível de consequências incalculáveis, capaz de ensejar a revisão do contrato administrativo.
 
DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO
 
(...)
3. Ultimada a análise, o entendimento esboçado foi no sentido da impossibilidade de atendimento do referido pleito revisão contratual decorrente de aumento do FAP em razão da própria natureza do índice, que é justamente estimular a adoção de medidas de redução de acidentes de trabalho pela empresa.

 

Desse modo, outras premissas podem ser acrescidas àquelas estatuídas quando da análise do SIMPLES, quais sejam: a) depende do comportamento do empregador a majoração da alíquota de sua contribuição para o financiamento do SAT, decorrente da aplicação do índice FAP, razão pela qual não há que se cogitar da revisão do contrato administrativo em razão de referida majoração; b) O índice FAP encontra-se previsto em todos os seus aspectos desde a Prolação da Lei 10.666/06, razão pela qual não há que se considerar fato imprevisível, ou previsível de consequências incalculáveis; c) a alteração ou variação das alíquotas consubstancia situação conhecida por parte do contratado antes mesmo da elaboração de sua proposta, embora a materialização ocorra supervenientemente quando da execução contratual; e d) é da própria natureza do índice estimular a adoção de medidas de redução de acidentes de trabalho pela empresa.

Dessa forma, à vista das dessas premissas, é importante clarificar o posicionamento do Departamento acerca da elevação do ônus tributário, mas em análise conjunta com a divergência objeto da presente manifestação, qual seja a sua diminuição.

A relação jurídica em apreço apreciada insere-se no âmbito do conjunto de relações jurídicas entre o Poder Público e os seus contratados. A sistemática legal acerca do FAP, por disposição normativa expressa, produz efeitos tributários (art. 202-A, § 6º, do Decreto nº 3.048/99). Por conseguinte, a análise dos contratos administrativos deve ser feita à luz das injunções decorrentes do regime jurídico tributário (v.g. “jus imperii”) e do regime jurídico administrativo (v.g. indisponibilidade do interesse público).

Enquanto premissa, e em se  tratando  de  qualquer  contrato  onde a Administração Pública consta como parte, não há que se falar em isonomia perfeita, porque todos os contratos celebrados sofrem as derrogações próprias das normas publicistas, inclusive  as avenças de Direito Privado (v.g. STJ, REsp 1373292/PE, j. 22/10/2014).

Assim sendo, quando o particular piora as condições preventivas acidentárias e elevam-se os respectivos ônus tributários incidentes sobre as relações contratuais, não deve haver repactuação em favor do particular. Isso, por si só, impacta negativamente a sociedade empresária durante determinado lapso temporal futuro. Pelo simples fato de não querer persistir nessa condição, com onerosidade tributária exacerbada, já há estímulo tributário a induzir a tomada de medidas, o que demonstra a concretização da função extrafiscal da referida tributação. Ademais, essa atuação insere-se exclusivamente no âmbito das condutas praticadas pela própria contratada.

Não é necessário que a piora das condições e, por conseguinte, o aumento dos custos tributários, gere repactuação em favor do particular, de modo que a função extrafiscal configure "via de mão dupla", eis que a Administração Pública tem direito à repactuação quando da diminuição daqueles ônus. Para que a extrafiscalidade cumpra a sua função indutiva, basta que o particular seja impulsionado a não permanecer na situação de onerosidade em que se encontra, rumo ao objetivo de atingir a tributação mínima e, mais que isso, persistir em tal patamar, o que ocorre plenamente quando aquela pretensão é indeferida. 

Por outro lado, quando ocorre a melhora das condições de trabalho e a diminuição da carga tributária, que têm gerado a repactuação em prol da Administração Pública quanto aos contratos contínuos, os consequentes benefícios para o particular não necessariamente devem ser sentidos, de forma imediata, nas relações contratuais já concretizadas com a Administração Pública (em execução). Em outras palavras, os benefícios e as implicações da tributação mínima não precisam consubstanciar um dever de abstenção da Administração Pública de repactuar os referidos contratos que já estão em andamento.

repactuação é destinada a recompor os preços em função do aumento dos custos de contratação, oriundos das variações das condições mercadológicas, mas na situação ora examinada o aumento e a diminuição do custo contratual ocorre por condições influenciáveis pelo próprio contratado. A diferença de tratamento entre o particular e a Administração Pública, especialmente sob a ótica da diminuição e da repactuação em prol do Estado é decorrência tanto do regime jurídico tributário (v.g jus imperii) quanto do administrativo (v.g. indisponibilidade do interesse público).   

Pelo ângulo das condições influenciáveis pelo próprio contratado, não custa rememorar o que dispõe a Orientação Normativa Interna nº 21 da CJU/SP, embora tenha tratado do instituto da revisão, mas cuja premissa influencia a abordagem da repactuação:

 
FAP. Depende do desempenho do empregador a majoração da alíquota de sua contribuição para o financiamento do seguro contra acidentes de trabalho, decorrente da aplicação do índice do fator acidentário de prevenção (FAP), razão pela qual não há que se cogitar da revisão do contrato administrativo sob o fundamento de reequilíbrio econômico-financeiro, ante a ausência de um de seus pressupostos: fato alheio à vontade das partes

 

Por outras lentes, a da diferença de tratamento e a do impacto dos daqueles regimes jurídicos altamente subordinantes (administrativo e o tributário), cumpre enfatizar que a repactuação gerada em favor da Administração Pública não decorre apenas da simples diminuição de custos dos particular, mas da função extrafiscal da tributação, fundamento jurídico autônomo que, em decorrência do jus imperii tributário, enseja a repactuação, mesmo que o particular não tenha o mesmo direito.

Ademais, a função extrafiscal tributária, prevista pelo legislador ao considerar o FAP para fins de determinação variável da alíquota tributária, não pode ser elastecida para que se estipulem, indiretamente, benefícios em favor do particular, o que ocorreria se impossibilitada a repactuação em favor da Administração Pública (por melhora e diminuição dos custos), ou se viabilizada quando a piora e aumento dos custos decorrem de condutas do próprio contratado.

Aliás, a repactuação em favor do contratado encontra óbice, afora as outra razões relatadas, diante da incidência princípio do venire contra factum próprio, que segundo os Tribunais Superiores é aplicável no regime jurídico administrativo.

É importante consignar que a extrafiscalidade tributária pode abarcar diversos aspectos, cujas definições e avaliações acerca das suas consequências - para a tributária extrafiscal - pertencem à esfera legiferante do legislador. Assim, a interpretação dos institutos de direito administrativo não pode viabilizar, sem previsão legal, o elastecimento das funções extrafiscais que, como se sabe, se correlacionam com aquele regime jurídico.

Sob a ótica da indisponibilidade do interesse público, constitucionalmente agasalhada, cumpre colacionar os ensinamentos do Prof. Ricardo Alexandre, os quais servem de parâmetro para fins de demonstrar a impossibilidade de conceder benefícios fiscais de forma oblíqua ou indireta: 

 
Já a indisponibilidade do interesse e do patrimônio público é visualizada, de maneira cristalina, na sempre presente exigência de lei para a concessão de quaisquer benefícios fiscais. Por ser extremamente oportuno, transcreve-se o pedagógico art. 150, § 6.º, da CF:
“§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o corresponde tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. art. 155, § 2.º,    XII, "g”.
São claros os termos do dispositivo. Todos os institutos citados enquadram-se na definição de "benefícios fiscais", dependendo da edição de lei específica a implementação de quaisquer deles, afinal, como já afirmado, só o povo pode dispor do patrimônio público.

 

O Tribunal de Contas da União, quanto à diminuição do índice, tem caminhado na linha da necessidade de repactuação, conforme extrai-se, exemplificativamente, do seguinte aresto (2015), inobstante os relativos a 2016 tenham seguido a mesma linha:

 

GRUPO II – CLASSE V – PLENÁRIO
TC 021.945/2014-4
Natureza: Auditoria
Unidade: Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Interessado: Tribunal de Contas da União
Representação Legal: não há
 
SUMÁRIO: Auditoria. Fiscalização de orientação centralizada (FOC). Governança e gestão das aquisições. Deficiências de governança e gestão. Deficiências ou ausência de mecanismos, instrumentos e práticas relacionadas ao tema. Recomendações. Determinações. Ciência.
 
RELATÓRIO
Adoto, como relatório, o Relatório de Fiscalização 568/2014 (peça 42) elaborado por equipe de auditoria da Selog, aprovado pelos dirigentes daquela unidade técnica.
[...]
3.36       Descumprimento das regras de pagamento previstas no contrato
Situação encontrada
501.   Da análise dos processos PA 740/2014 (pagamento no contrato de limpeza) e PA 918/2014 (pagamento no contrato de vigilância), constatou-se uma divergência entre a alíquota de Seguro Acidente de Trabalho (SAT) previsto na planilha de custos e formação de preços (PCFP) das propostas vencedoras e aquelas estabelecidas nas Guias de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP) apresentadas pelas contratadas por ocasião dos pagamentos mensais.
502.   No caso do contrato de limpeza (contrato 39/2013), a alíquota prevista na planilha de custos e formação de preços da contratada é de 3% (peça 23, p. 20, item 4.1.g), quando na GFIP relativa ao mês de dezembro/2013 esta parcela corresponde a 1,70% (peça 29, RAT ajustado), o que equivale a uma diferença de R$30.760,34 no mês (peça 33).
503.   Para o contrato de vigilância, a alíquota prevista no item II-06 da planilha de custos e formação de preços relativo ao 7º termo aditivo ao Contrato 76/2009 é de 3,41% (peça 30), quando na GFIP relativa ao mês de junho/2014 esta parcela corresponde a 3,39% (peça 31, RAT ajustado), o que equivale a uma diferença mensal de R$680,40 (peça 33).
504.   O Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) é uma contribuição com natureza de tributo que as empresas pagam para custear benefícios do INSS oriundos de acidente de trabalho ou doença ocupacional, cuja alíquota padrão é de um, dois ou três por cento sobre a remuneração do empregado. Elas são aplicadas de acordo com o grau de risco da atividade empresarial, cabendo aos setores com maior incidência de doenças e acidentes uma contribuição maior.
505.   A fim de beneficiar as empresas que investem em prevenção de acidentes, foi criado o Fator de Acidentário de Prevenção (FAP), que é um multiplicador a ser aplicado às alíquotas padrão do SAT. Ele varia de 0,5 a 2,0 (Lei 10.666/2003, art. 10), o que significa que a alíquota de contribuição da empresa pode variar entre a metade e o dobro, de acordo com o seu desempenho na prevenção de acidentes.
506.   A situação descrita acima corresponde ao reenquadramento das empresas contratadas de acordo com o FAP de cada uma, que reajustou para baixo a alíquota do SAT inicialmente prevista da PCFP, reduzindo então o valor da contribuição a ser recolhida, o que justificaria uma repactuação de preços em benefício da administração.
[...]
VOTO
[...]
ACÓRDÃO Nº 2831/2015 - TCU - Plenário
1. Processo TC‑021.945/2014-4
2. Grupo: II – Classe: V - Assunto: Auditoria.
3. Interessado: Tribunal de Contas da União.
4. Unidade: Superior Tribunal de Justiça (STJ).
5. Relator: Ministro-Substituto Augusto Sherman Cavalcanti.
6. Representante do Ministério Público: não atuou.
7. Unidade técnica: Secex/RJ.
8. Representação Legal: não há.
9. Acórdão:
[...]
9.1.33.8. utilização, quando da realização de repactuações, de informações gerenciais do contrato para negociar valores consentâneos com a realidade da respectiva execução contratual;
9.1.34. estabelecer modelos de lista de verificação para atuação da consultoria jurídica na emissão pareceres de que trata o art. 38, parágrafo único, da Lei 8.666/1993, em especial, na aprovação das minutas de instrumentos convocatórios das licitações e dos ajustes decorrentes de repactuações, podendo adotar os modelos estabelecidos pela Advocacia-Geral da União;
[...]
10. Ata n° 44/2015 – Plenário.
11. Data da Sessão: 4/11/2015 – Ordinária.
12. Código eletrônico para localização na página do TCU na Internet: AC-2831-44/15-P.
13. Especificação do quorum:
13.1. Ministros presentes: Aroldo Cedraz (Presidente), Benjamin Zymler, Augusto Nardes, José Múcio Monteiro e Bruno Dantas.
13.2. Ministro-Substituto convocado: Augusto Sherman Cavalcanti (Relator).
13.3. Ministros-Substitutos presentes: Marcos Bemquerer Costa, André Luís de Carvalho e Weder de Oliveira.
 

Quanto aos valores públicos transferidos como contraprestação aos particulares, há toda uma construção do ordenamento jurídico no sentido de que devem efetivamente refletir o que for prestado em favor da Administração Pública, sob pena de retorno aos cofres públicos, especialmente quando são mensuráveis e decorrem de política pública criada pelo próprio poder público, como acontece na situação analisada.

Essa assertiva, por óbvio, não abarca situações excepcionais em que a diferença de valores decorre exclusivamente da eficiência do particular, observadas outras condicionantes como, por exemplo, estar inicialmente dentro dos padrões mercadológicos, decorrerem de posturas não mensuráveis, não haja má-fé ou desvantagens excessivas que realmente afetem a equação econômico-financeira, entre outras. 

A título de exemplo daquela situação construída pelo ordenamento jurídico, com o desiderato de evitar dispêndios que não reflitam a realidade, salvo previsão legal, é salutar citar alguns exemplos:

 

Desconto dos próprios benefícios daqueles que estão, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade.
 
Lei nº 8.213/91
Art. 115.  Podem ser descontados dos benefícios:
II - pagamento de benefício além do devido;
§ 1º Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.  (Renumerado do Parágrafo único pela Lei nº 10.820, de 17.12.2003)
 
Desconto dos valores recebidos por servidores 
 
Art. 46.  As reposições e indenizações ao erário, atualizadas até 30 de junho de 1994, serão previamente comunicadas ao servidor ativo, aposentado ou ao pensionista, para pagamento, no prazo máximo de trinta dias, podendo ser parceladas, a pedido do interessado. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 1o  O valor de cada parcela não poderá ser inferior ao correspondente a dez por cento da remuneração, provento ou pensão. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 2o  Quando o pagamento indevido houver ocorrido no mês anterior ao do processamento da folha, a reposição será feita imediatamente, em uma única parcela. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 3o  Na hipótese de valores recebidos em decorrência de cumprimento a decisão liminar, a tutela antecipada ou a sentença que venha a ser revogada ou rescindida, serão eles atualizados até a data da reposição. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)

 

Não se desconhecem posicionamentos do Superior Tribunal de Justiça pautados em interpretações teleológicas, as quais podem dar azo à concessão de benefícios ao particular, tal como ocorreu recentemente no espectro da isenção, onde o caráter humanitário da política fiscal e a dignidade humana prevaleceram:

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO COM ISENÇÃO DE IPI POR PESSOA COM NECESSIDADES ESPECIAIS QUE TEVE O SEU VEÍCULO ROUBADO.
A isenção de IPI para aquisição de automóvel por pessoa com necessidades especiais (art. 1º, IV, da Lei 8.989/1995) poderá ser novamente concedida antes do término do prazo de 2 anos contado da aquisição (art. 2º) se o veículo vier a ser   roubado durante esse período. De acordo com o art. 2º da Lei 8.989/1995, "a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI de que trata o art. 1º desta Lei somente poderá ser utilizada uma vez, salvo se o veículo tiver sido adquirido há mais de 2 (dois) anos". Esse dispositivo, entretanto, deve ser interpretado de maneira a satisfazer o caráter humanitário da política fiscal, primando pela inclusão das pessoas com necessidades especiais e não restringindo seu acesso. Com efeito, a orientação do STJ é que a Lei 8.989/1995 não pode ser interpretada em óbice à implementação de ação afirmativa para inclusão de pessoas com necessidades especiais (REsp 567.873MG, Primeira Turma, DJ 25/2/2004). Assim, cabe, na situação em análise, afastar a limitação temporal do art. 2º. da Lei 8.989/1995, com base no princípio da dignidade da pessoa humana e em razão de motivo de força maior. REsp 1.390.345-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 24/3/2015, DJe 7/4/2015

 

Nesse contexto, sabe-se que na maioria das vezes os intérpretes das normas se baseiam no ponto de vista lógico, e não na aplicação socialmente contextualizada, ou seja, sem considerar o paradigma da complexidade (de forma setorizada e estanque), sem analisar as partes antes de atingir o todo. No entanto, a situação jurisprudencial citada não se assemelha à hipótese dos autos, onde estão em debate predominantemente interesses estritamente econômicos e tributários, ainda que com alguns reflexos na política pública, pertencente à esfera do Estado, destinada à prevenção acidentária.

Os particulares têm o dever de bem atuar nessa esfera, e não há direito à repactuação ou revisão em decorrência de desempenhos ruins que dependem de suas atitudes concretas. A questão ligada ao direito da Administração Pública à repactuação, como visto, deve ser analisada sob outros fundamentos. 

Há que se reiterar, a adoção de medidas de redução de acidentes de trabalho, de forma a reduzir a carga tributária, continua sendo estimulada mesmo que gere, no contrato em execução, a repactuação em favor da Administração Pública. A diminuição dos custos do particular não precisa ser sentida nos contratos em andamento, sendo suficiente a aplicação em suas contratações posteriores ou outras relações não concretizadas com a Administração Pública.

Além disso, a piora ou a manutenção de desempenho negativo na esfera acidentária ocasionará a majoração ou persistência de carga tributária majorada, o que impactará todas as suas relações jurídicas, além daquelas com a Administração Pública. Nesse caso, não se tratam de novos tributos ou encargos que foram criados, alterados ou extintos pelo poder público, muito menos de superveniência de disposições legais após a data da apresentação das propostas. Em verdade, as contribuições tributárias, que levam em consideração o FAP, variam entre patamares previamente conhecidos e delimitados, com o objetivo de manter níveis adequados de desempenho no âmbito da prevenção acidentária.

Por fim, é imperioso deixar registrada a existência do PARECER Nº 11/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, construído em deliberação colegiada, mas cuja aprovação restou suspensa pelo próprio órgão, sem que tenha havido posterior conclusão quanto ao tema. A manifestação analisou a teoria do fato do príncipe (art. 65, § 5º, da Lei nº 8.666/93) e vai de encontro ao entendimento aqui exposto. Eis as principais ideias abordadas:

 

PARECER Nº 11/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU
PROCESSO Nº: 00407.00001636/2014-18
INTERESSADO: PROCURADORIA-GERAL FEDERAL
ASSUNTO: Temas relativos a licitações e contratos administrativos tratados no âmbito da Câmara Permanente de licitações e contratos administrativos instituída pela Portaria/PGF n.º 98, de 26 de fevereiro de 2013.
EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO – MANUTENÇÃO POR EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL – TEORIA DO FATO DO PRÍNCIPE – EXEGESE DO § 5º DO ART. 65 DA LEI DE LICITAÇÕES – NECESSIDADE DE EXTRAIR O MAIOR SIGNIFICADO DO TEXTO – REGIME PRÓPRIO – NÃO ADOÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO NO CASO - CONTRIBUIÇÃO SOCIAL - RISCOS AMBIENTAIS DO TRABALHO (RAT) - LEI 8.212/91, ART. 22, II - LEI 10.666/03 - FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO (FAP) – O FATO DE DEPENDER DO CONTRIBUINTE A VARIAÇÃO DA ALÍQUOTA NÃO ALTERA A NATUREZA TRIBUTÁRIA  DA EXAÇÃO - APLICAÇÃO DO § 5º DO ART. 65 DA LEI 8666/93 - NEUTRALIDADE DOS CUSTOS TRIBUTÁRIOS NO EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO – POSSIBILIDADE DE FRUSTRAÇÃO DA EXTRAFISCALIDADE DO FATOR PREVIDENCIÁRIO DE PREVENÇÃO – REFLEXÕES DE LEGE FERENDA
I - A ideia de equilíbrio significa que em um contrato administrativo os encargos do contratado (indicados nas cláusulas regulamentares) equivalem à retribuição (indicada nas cláusulas econômicas) paga pela Administração Pública. Por isso se fala na existência de uma equação: a equação econômico-financeira.
II - O que difere as modalidades de reajustamento do reequilíbrio é o fato desencadeador do desequilíbrio. O reajustamento em sentido estrito e a repactuação são modalidades adotadas para neutralizar os efeitos da inflação, dentro de um ambiente de normalidade econômica. Já o reequilíbrio se faz quando eventos excepcionais provocam uma alteração em um ou em ambos os lados da equação econômico-financeira
III - O fato do príncipe pode se exteriorizar em lei, regulamento ou qualquer outro ato geral do Poder Público que atinja a execução do contrato, como pode provir da própria Administração contratante ou de outra esfera administrativa competente para a adoção da medida governamental.
IV - O § 5º do art. 65 da Lei 8666/93 possui regime jurídico próprio em relação à alínea d do inc. II do mesmo art. 65, na medida em que não consta qualquer necessidade de que o tributo ou encargo legal sejam imprevistos, imprevisíveis, de consequências incalculáveis, decorrentes de álea extraordinária e extracontratual.
V - O Fator Acidentário de Prevenção (FAP) incide sobre as alíquotas de 1%, 2% e 3%, da contribuição para o custeio do RAT. Tais alíquotas estão previstas no artigo 22, inciso II, da Lei 8.212/91 e são aplicáveis de acordo com o desempenho da empresa em relação às demais empresas do mesmo segmento econômico no que tange aos índices de frequência, gravidade e custo de acidentes e doenças do trabalho, que poderão ser reduzidas, em até cinquenta por cento, ou aumentadas, em até cem por cento.
VI - O grau de risco acidentário é determinado de acordo com metodologia de cálculo baseada nos registros de acidentes de trabalho para cada atividade econômica descrita no CNAE - Código Nacional de Atividade Econômica, competência que está afeta ao Poder Executivo e decorre de sua função regulatória, e pode, por isso mesmo, alterar o enquadramento de empresas visando estimular investimentos em prevenção de acidentes (art. 22, § 3º da Lei nº 8.212/91).
VII - A circunstância de serem considerados elementos concernentes ao sujeito passivo não modifica a natureza da exação, isto é, não altera a sua natureza jurídica, muito menos a sua forma de constituição que é o lançamento por homologação (homologação do pagamento). O lançamento, não obstante tenha por objetivo verificar a ocorrência do fato gerador ou a verdade da matéria tributável, não decorre da mera identificação da redução ou da majoração da alíquota, mas, sim, da superveniente ocorrência do próprio fato gerador da obrigação tributária.
VIII - O fato de ser a alíquota do tributo variável de acordo com o melhor ou pior desempenho empresarial do contribuinte não altera a natureza da exação, que continua sendo um ato de império estatal, sujeitando-se perfeitamente à regra de reequilíbrio do § 5º do art. 65 da Lei 8666/93.
IX - Pela sistemática da Lei 8666, não há exceção à revisão do contrato quando houver alteração de carga tributária, pouco importando se o tributo tem natureza extrafiscal.

 

Apesar de o item IX ter seguido linha diversa, o regime jurídico administrativo e o tributário devem ser analisados sistematicamente, vez que compõem o mesmo ordenamento jurídico, afora a incidência da teoria do diálogo entre as fontes normativas, quando possível, a fim de encontrar um equilíbrio entre os dois regimes.

Ademais, não se pode olvidar que a alteração da alíquota tributária tem em mira os resultados aferidos no âmbito do multiplicador FAP, que varia entre 0,50000 e 2,0000, os quais levam em conta os dois anos anteriores e com aplicação prevista para o exercício seguinte. 

É fato que a política extrafiscal construída pelo legislador ainda é míope nesse ponto da prevenção acidentária e, sendo assim, merece aperfeiçoamentos, vez que há margens para a ampliação da função extrafiscal da exação tributária que leva em consideração o FAP, especialmente a possibilidade de a Administração Pública dispor do seu direito à recuperação dos valores - originariamente públicos - em caso de diminuição dos custos tributários da execução contratual. Apesar dessa idealização, não há suporte jurídico para fazê-lo por manifestações do próprio Estado-administrador (v.g. parecer jurídicos), que está vinculado à indisponibilidade do interesse público e ao princípio da juridicidade. 

O Diretor do Departamento de Consultoria da PGF, no entanto, por meio do Despacho n.º 46/2014, aos sobrestar o exame e a aprovação do referido parecer, considerou que as conclusões da CPLC poderiam, a princípio, anular a extrafiscalidade da contribuição social para o Seguro de Acidente do Trabalho, in verbis:

 

4. Ocorre que a aplicação acrítica da mencionada orientação tem a propensão de, ao menos preliminarmente, anular a extrafiscalidade do mencionado tributo, implicando em verdadeiro desestímulo à melhoria ou mesmo manutenção da performance acidentária das empresas contratadas pela Administração Pública, podendo vir a frustrar a finalidade legal voltada à queda da incidência de acidentes do trabalho.
5. Com efeito, sendo o Fator Acidentário de Prevenção - FAP instrumento voltado à aferição do desempenho acidentário de determinada empresa, dentro de sua respectiva atividade econômica, a imediata concessão de reequilíbrio contratual em caso de piora do mencionado índice tenderá a anular os incentivos econômicos à melhoria das condições de trabalho dos empregados das empresas contratadas pela Administração Pública, as quais terão a segurança da recomposição de quaisquer custos adicionais advindos de sua leniência em relação às condições laborais ofertadas aos seus empregados.
6. Ainda que o parecerista tenha cuidado, no tópico IV, de analisar o reflexo do entendimento ora sugerido como passível de frustrar a extrafiscalidade do FAP, acabou por concluir pela necessidade de alteração legislativa para evitar a concretização desta externalidade negativa.
7. Contudo, sem discordar da interpretação conferida ao instituto do reequilíbrio econômico-financeiro, entendo ser possível concluir de acordo com a orientação normativa interna CJU/SP nº 21[1], por considerar relevante a incidência do princípio do venire contra factum próprio[2] à situação ora enfrentada.
8. É que, ainda que a exação tributária seja uma manifestação de Império Estatal em face do particular, a piora das condições laborais que impliquem o aumento de acidentes do trabalho, decorrente da falta de investimentos em segurança do trabalho é, sim, uma situação que poderá ser atribuída unicamente à empresa contribuinte, atraindo, portanto, a incidência da boa-fé, sobrelevada no art. 187 do Código Civil.
9. Com estas considerações, e buscando ampliar o debate acerca de tema tão controvertido, solicito a oitiva da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Previdência Social sobre o assunto em tela, para somente após, deliberar pela aprovação ou não da referida manifestação.

 

III. CONCLUSÕES E ENCAMINHAMENTOS.

 

Ante o exposto, conclui-se que:

 

a) As premissas atinentes ao aumento dos ônus tributários em decorrência do FAP, cujo entendimento do DECOR/CGU, no Parecer nº 150/2010/DECOR/CGU/AGU, foi no sentido de não constituir causa apta a viabilizar a aplicação da revisão em favor do particular contratado, são aplicáveis aos pleitos de repactuação. Nesse contexto, é relevante acrescer que o entendimento exposto nestes autos tem por suporte jurídico a ausência de previsão legal para elastecer o âmbito de incidência da função extrafiscal dos tributos e, consequentemente, criar benefícios indiretos ao particular. Pondera-se, ainda, a ausência de extinção material da função extrafiscal, vez que continua aplicável em outras situações e/ou aspectos expostos nessa manifestação, cujas definições e avaliações acerca das consequências são pertinentes à política tributária extrafiscal, pertencente à liberdade de conformação do legislador. Além disso, a interpretação dos institutos de direito administrativo não pode viabilizar o elastecimento das funções extrafiscais correlacionadas com o seu regime jurídico, afora o fato de o próprio agir do contratado ser predominantemente decisivo para fins de determinação da alíquota tributária e do respectivo ônus tributário (proíbe-se o comportamento contraditório). Por último, a piora ou a mera manutenção de desempenho negativo na esfera acidentária, que ocasionam os efeitos negativos da majoração ou da persistência da carga tributária desfavorável, é suficiente para induzir a contratada à adoção ou modificação voluntária de seus comportamentos.

b) Por outro lado, a diminuição da onerosidade tributária, em virtude da aplicação do FAP, acarreta a repactuação em favor da Administração Pública. Além de estar em consonância com o que tem apontado o Tribunal de Contas da União (v.g. suas auditorias), em verdade, nos contratos onde a Administração Pública figura como parte, não há que se falar em isonomia  perfeita, pois todos sofrem as derrogações próprias das normas publicistas, mesmo os de Direito Privado. In casu, a diferença de tratamento decorre tanto do regime jurídico administrativo (v.g. indisponibilidade do interesse público, salvo previsão normativa constitucionalmente adequada) quanto do tributário (v.g. do jus imperii), não sendo adequado a função extrafiscal funcionar como "via de mão dupla", à míngua de previsão legal, a ponto de deferi-la ao particular ou impossibilitá-la à Administração Pública. A diminuição dos custos e dos respectivos ônus tributários sobre o particular, sob a ótica da política tributária extrafiscal, não precisa ser sentida nos contratos em andamento, sendo suficiente a aplicação dos benefícios da extrafiscalidade (v.g. reduzir a estimativa dos custos) em contratações posteriores ou com outras pessoas jurídicas que não integrem a Administração Pública.

c) É necessário dar ciência às unidades consultivas, à Casa Civil, ao Tribunal de Contas da União e, por fim, ao Congresso Nacional, vez que este detém o poder legiferante necessário para aperfeiçoar a política tributária extrafiscal, diante do cenário narrado nestes autos.

 

À consideração superior.

 

Brasília, 04 de outubro de 2016.
 

JOÃO PAULO CHAIM DA SILVA

ADVOGADO DA UNIÃO

 


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